Haidar Eid é um professor palestino que lecionava literatura pós-colonial e pós-moderna na Universidade Al-Aqsa, em Gaza. Essa universidade não existe mais, graças aos mísseis e às mentes sionistas que os dispararam e guiaram. Seu livro Descolonizando a mente palestina foi recentemente publicado em espanhol pela editora La Trocha, em Santiago, Chile. Conheci Haidar no início deste ano. Sua casa foi completamente destruída, e talvez pudéssemos ser irônicos e dizer que ele teve sorte de ter sido avisado pelos criminosos, que lhe deram cinco minutos para evacuar.
Nem todos tiveram tanta “sorte”. Desde 7 de outubro de 2023, 60.038 pessoas foram mortas, das quais 18.592 têm menos de 18 anos. Esses números podem estar subestimados se analisarmos as análises publicadas na revista The Lancet, que em junho de 2024 já estimava o número de mortos em 37.336, aos quais devemos acrescentar 14.400 pessoas desaparecidas e as chamadas mortes indiretas, ou seja, mortes por inanição, que aumentaram de forma alarmante no último mês. A agressão levada a cabo pelo Estado de Israel na Faixa de Gaza destruiu mais de 70% das casas, deslocou cerca de 2,3 milhões de pessoas e foi dirigida de forma aberta e seletiva contra a população civil, em ataques e destruição de escolas, universidades, mesquitas, igrejas, hospitais, abrigos e até mesmo em disparos em massa contra pessoas em locais de distribuição de alimentos. Jornalistas, profissionais de saúde, trabalhadores humanitários, funcionários da ONU e, especialmente crianças foram mortos como parte de um plano que visa exterminar o povo palestino. Esse plano se qualifica inequivocamente como um crime de genocídio.
A história dessa agressão não começou em 7 de outubro. O projeto sionista remonta a mais de um século. É um projeto colonialista, racista e supremacista que tem usado o assassinato e o deslocamento forçado como política, tudo isso endossado por um mundo que assiste com indiferença ao que está acontecendo lá.
A ocupação das terras palestinas pelo sionismo europeu começou com a compra de terras no início do século XX, apoiada pelo governo britânico.
O processo de desapropriação da população palestina antes de 1936 foi descrito pelo escritor e ativista Ghassan Kanafani em seu livro “A Revolução de 1936-1939 na Palestina”. Kanafani relata que, em 1931, cerca de 20 mil famílias camponesas já haviam sido deslocadas de suas terras. Este texto interessante e fundamental relata as condições a que o Mandato Britânico submeteu a população palestina, que incluíam não só a perda de suas terras, mas também o fechamento de seus espaços produtivos e a imposição de regimes de trabalho desvantajosos.
O uso de táticas terroristas tornou-se o modus operandi do sionismo com o objetivo de deslocar a população nativa da Palestina. Muitos massacres foram cometidos pelo sionismo, especialmente durante e após a Nakba em 1948. No dia 9 de abril de 1948, por exemplo, esquadrões da Irgun (uma organização terrorista sionista) entraram na aldeia de Deir Yassin, matando mais de 100 palestinos, incluindo idosos e crianças que não puderam escapar. No dia 11 de julho daquele ano, agrupamentos militares sob o comando de Moshe Dayan atacaram Lydd, matando 426 pessoas. Moshe Dayan se tornaria mais tarde ministro da Defesa de Israel. Entre 14 e 15 de outubro de 1953, o infame Batalhão 101, liderado por Ariel Sharon, invadiu a aldeia de Qibya, matando 69 pessoas. O próprio Sharon, que se tornaria primeiro-ministro de Israel, supervisionaria o massacre de Sabra e Shatila, no Líbano, em 1982, no qual pelo menos 3.500 pessoas foram mortas.
Mas não são apenas massacres desse tipo que Israel cometeu. O assassinato seletivo de indivíduos tem sido uma prática comum e uma política de Estado. São assassinatos planejados e executados em qualquer parte do mundo pelo serviço secreto de Israel, o Mossad, conhecido nas ruas de Tel Aviv como “o Instituto”. Exemplos recentes incluem o assassinato de Ismail Haniyeh, porta-voz e negociador oficial do Hamas, em 31 de julho de 2024, em Teerã, e o assassinato do líder do Hezbollah, Sayyed Hasan Nasrallah, em Beirute, em 27 de setembro de 2024.
Israel não é um Estado, é um projeto colonial europeu cujos fundadores não eram nativos daquela terra. Theodor Herzl era húngaro, David Ben Hurion e Shimon Peres eram poloneses, Golda Meir era ucraniana, Moshe Dayan era filho de ucranianos, Ariel Sharon era filho de bielorrussos, para dar só alguns exemplos. O relato bíblico manipulado é apenas uma desculpa conveniente que serve para criar uma narrativa mítica que dá a uma população estrangeira direitos de ocupação sobre uma suposta terra prometida. Na prática, o que temos é um Estado fundado em massacres, assassinatos e deslocamento forçado da população original, em violação permanente do direito internacional. Um Estado de apartheid que faz distinção entre cidadãos de primeira classe, que gozam de direitos, e cidadãos de segunda classe, com direitos limitados ou inexistentes. A agressão que vem ocorrendo desde outubro de 2023 nada mais é do que a continuação de um projeto de expropriação, extermínio e substituição de todo um povo, endossado, patrocinado e financiado pelos Estados Unidos e executado por Israel. Este projeto se perpetua porque também está gerando lucros extraordinários para um número significativo de empresas multinacionais do Norte Global, como evidenciado recentemente no relatório A/HRC/59/23 elaborado pela Relatora Especial das Nações Unidas para a Palestina, Francesca Albanese.
Como é possível que tal horror possa ocorrer e não possa ser impedido? Como é possível que o simples veto dos EUA no Conselho de Segurança seja suficiente para impedir que medidas sejam tomadas? Como é possível que mesmo aqueles que apoiam a Palestina continuem defendendo a “solução de dois Estados” como solução? Haidar Eid, no livro que mencionamos no início, questiona seriamente essa “solução”. “Dois Estados” significa que normalizamos a existência de um Estado que usa a morte como prática, um Estado que normaliza e ensina o racismo e o ódio nas suas escolas, um Estado que não esconde o seu desejo de expansão através da violência e do extermínio de outros povos. A Segunda Guerra Mundial não terminou com a entrega de parte da Alemanha aos nazistas. O conflito não terminará com a entrega de parte da Palestina ao sionismo.
Um cessar-fogo é imperativo, mas não é suficiente. Um crime está sendo cometido e os responsáveis devem ser responsabilizados. É hora do dinheiro usado para matar ser usado para reparar os danos e iniciar a reconstrução. A Palestina tem direito à existência e é óbvio que uma linha vermelha que torna inviável a “solução de dois Estados” foi ultrapassada. Somente uma nação palestina democrática e soberana pode ser considerada uma solução. Uma solução que respeite o direito do povo palestino à autodeterminação e à existência. Uma nação que permita a coexistência, independentemente da religião ou da origem étnica. Parece uma utopia, mas é a utopia que nos permite avançar. Façamos disso o nosso mote! Até agora, não houve progressos. As Nações Unidas estão a revelar-se ineficazes, e a Palestina não pode esperar.
(*) Tradução de Raul Chiliani





































