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Escondido à vista de todos: as origens chocantes do caso Jeffrey Epstein

Epstein é só a última encarnação de uma operação mais antiga que mostra quão profundamente os EUA está amarrado ao crime organizado.
por Whitney Webb | MintPress News – Tradução de André Kanasiro para a Revista Opera
(Imagem: Mintpress News)

 

A despeito de seu “belo negócio” e de ter aparentemente escapado da justiça, o criminoso sexual bilionário Jeffrey Epstein foi preso mês passado sob acusações federais de tráfico sexual de menores. A prisão de Epstein trouxe novamente uma grande atenção da mídia a muitos de seus amigos famosos, estando o atual presidente dos EUA, Donald Trump, entre eles.

Desde então muitas questões têm sido levantadas a respeito do quanto os amigos famosos de Epstein sabiam de suas atividades, e do que exatamente Epstein estava tramando. Esta última recebeu indiscutivelmente mais atenção depois da notícia de que Alex Acosta – que arranjou o “belo negócio” de Epstein em 2008 e que recentemente renunciou ao cargo de Secretário do Trabalho de Donald Trump, logo após a prisão de Epstein – alegou que o bilionário misterioso tinha trabalhado para a “inteligência”. 

Outras investigações têm deixado cada vez mais claro que Epstein estava executando uma operação de chantagem, já que ele tinha grampeado os pontos de encontro – seja em sua mansão de Nova Iorque ou sua ilha de refúgio caribenha – com microfones e câmeras para gravar as interações lascivas que se passavam entre seus convidados e as garotas menores de idade que Epstein explorava. Epstein parece ter guardado muito desse material de chantagem em um cofre na sua ilha privada.

As alegações das ligações de Epstein e de seu envolvimento com uma operação de chantagem sexual sofisticada e bem patrocinada têm estimulado surpreendentemente poucos veículos de imprensa a examinar a história de agências de inteligência, tanto nos EUA quanto no exterior, conduzindo operações similares de chantagem sexual, muitas das quais também envolviam prostitutas menores de idade.

Só nos EUA a CIA operou numerosas operações de chantagem sexual pelo país, empregando prostitutas para alvejar diplomatas estrangeiros no que o Washington Post apelidou certa vez de “armadilhas do amor”. Indo ainda mais fundo no registro histórico dos EUA, se torna aparente que estas táticas e seu uso contra poderosas figuras políticas e influentes precedem significativamente à CIA e mesmo seu precursor, o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS). De fato, estas foram desbravadas anos antes por nada menos que a Máfia Americana.

No curso dessa investigação o MintPress descobriu que um bocado de figuras influentes no crime organizado americano durante e após o período da Proibição [Lei Seca] se engajaram diretamente com operações de chantagem sexuais, usando-as para seus propósitos particulares e frequentemente obscuros.

Na parte I desta investigação exclusiva o MintPress vai examinar como um empresário ligado à máfia, com vínculos profundos ao notório gângster Meyer Lansky, criou ligações estreitas com o Federal Bureau of Investigation (FBI) enquanto executava uma operação de chantagem sexual por décadas – a qual depois se tornou uma parte secreta da cruzada anticomunista dos anos 50 liderada pelo senador Joseph McCarthy (R-WI), este conhecido em toda Washington por seu hábito de apalpar garotas adolescentes menores de idade enquanto estava bêbado.

Contudo, seria um dos assessores mais próximos de McCarthy aquele que assumiria o controle em anos posteriores, traficando menores e expandindo sua operação de chantagem sexual ao mesmo tempo em que expandia sua própria influência política, colocando-o em contato próximo com figuras proeminentes – incluindo o ex-presidente Ronald Reagan e um homem que depois se tornaria presidente: Donald Trump.

Como será revelado na parte II, depois da morte desta figura, a operação de chantagem continuou sob vários sucessores em diferentes cidades e há fortes evidências de que Jeffrey Epstein se tornou um deles.

Samuel Bronfman e a Máfia

A Era da Proibição nos Estados Unidos é frequentemente usada como exemplo de como banir substâncias recreativas não só aumenta sua popularidade, mas também causa uma explosão na atividade criminosa. Sem dúvida, foi a Proibição que aumentou grandemente a força da Máfia Americana, já que os maiores senhores do crime da época enriqueceram através do comércio e venda clandestina de álcool, somado a jogos de azar e outras atividades.

É o contrabando dos anos 20 e do início dos anos 30 que começa essa história, já que este reuniu figuras-chave cujos sucessores e afiliados criaram eventualmente uma série de círculos de chantagem e tráfico sexual que daria origem a coisas como Jeffrey Epstein, o “Expresso Lolita” (avião particular de Epstein) e a “Ilha da Orgia” (ilha de Epstein nas Ilhas Virgens).

Samuel Bronfman nunca planejou tornar-se o maior produtor de destilados, mas sendo fiel ao seu sobrenome, que significa “homem do conhaque” em iídiche, ele eventualmente começou a distribuir álcool como uma extensão dos hotéis que eram o negócio de sua família. Durante a época da Proibição do Canadá, que foi mais breve e que precedeu a de seu vizinho do sul, o negócio da família Bronfman usava brechas para burlar a lei e encontrar formas tecnicamente legais de vender álcool em seus hotéis e lojas. A família contava com suas conexões com membros da Máfia Americana para contrabandear álcool ilegal dos Estados Unidos.

Pouco depois que a Proibição acabou no Canadá, começou nos Estados Unidos, e quando o fluxo de álcool ilegal finalmente se inverteu, os Bronfmans – cujos empreendimentos eram então guiados por Sam Bronfman e seus irmãos – estavam relativamente atrasados em um mercado já próspero de contrabando.

“Começamos tarde nos dois mercados mais lucrativos – em alto mar e ao longo do Rio Detroit. O que saía do comércio de fronteira em Saskatchewan era insignificante em comparação”, disse Bronfman certa vez ao jornalista canadense Terence Robertson, que estava escrevendo na época uma biografia sobre ele. Não obstante, “foi aí que começamos a fazer dinheiro de verdade”, recontou Bronfman. A biografia de Robertson sobre Bronfman nunca foi publicada, já que ele morreu em circunstâncias misteriosas logo após avisar seus colegas de que tinha descoberto informações repugnantes sobre a família Bronfman.

A chave para o sucesso de Bronfman durante a Proibição Americana foram as ligações que sua família tinha cultivado com o crime organizado durante a Proibição do Canadá, ligações que levaram muitos membros proeminentes da máfia nos Estados Unidos a favorecer Bronfman como um parceiro de negócios. As bebidas de Bronfman eram compradas em quantias massivas por muitos senhores do crime que ainda perduram em lendas americanas, incluindo Charles “Lucky” Luciano, Moe Dalitz, Abner “Longy” Zwillman e Meyer Lansky.

A maior parte dos sócios mafiosos de Bronfman durante a Proibição era de membros do que veio a ser conhecido como o Sindicato Nacional do Crime, que um órgão investigativo do Senado nos anos 50, o Comitê Kefauver, descreveu como uma confederação dominada por máfias ítalo-americanas e de judeus americanos. Durante essa investigação, alguns dos maiores nomes na Máfia Americana mencionaram Bronfman como uma figura central em suas operações de contrabando. A viúva do notório chefe mafioso americano Meyer Lansky até mesmo narrou como Bronfman tinha dado jantares e festas generosas para seu marido.

Anos mais tarde, os filhos e netos de Samuel Bronfman, suas ligações familiares intactas ao submundo do crime, chegariam a se associar estreitamente a Leslie Wexner, supostamente a fonte de muito da riqueza misteriosa de Epstein, e a outros “filantropos” ligados à máfia; alguns até dirigiriam suas próprias operações de chantagem sexual, incluindo a “seita sexual” NXIVM, baseada em chantagem, que foi apanhada recentemente. As gerações tardias da família Bronfman, particularmente os filhos de Samuel Bronfman, Edgar e Charles, serão discutidos em maiores detalhes na Parte II deste artigo. 

O segredo obscuro de Lewis Rosenstiel

Foram cruciais para as operações de contrabando de Bronfman na era da Proibição dois intermediários, um dos quais era Lewis “Lew” Rosenstiel. Rosenstiel começou trabalhando na destilaria de seu tio em Kentucky antes da Proibição. Uma vez que a lei banindo álcool entrou em vigor, Rosenstiel criou a Schenley Products Company, que mais tarde se tornaria uma das maiores companhias de destilados na América do Norte.

Apesar de ser um desistente do ensino médio e de não ser particularmente bem conectado socialmente, aconteceu de Rosenstiel ter um encontro “casual” com Winston Churchill em 1922, durante suas férias na Riviera Francesa. De acordo com o New York Times, Churchill “o aconselhou [Rosenstiel] a preparar-se para o retorno da venda de bebidas nos Estados Unidos”. Rosenstiel de algum modo conseguiu assegurar o patrocínio da elite e da respeitada empresa de Wall Street, a Lehman Brothers, para financiar sua compra de destilarias fechadas. 

Oficialmente se diz que Rosenstiel ergueu sua companhia e sua riqueza após a Proibição, ao seguir o conselho de Churchill e se preparar para a Revogação. No entanto ele estava claramente envolvido em operações de contrabando e foi até mesmo indiciado por contrabando em 1929, apesar de ter escapado da condenação. Como Bronfman, Rosenstiel era próximo do crime organizado, particularmente de membros da aliança mafiosa majoritariamente ítalo-americana e judia-americana conhecida como o Sindicato Nacional do Crime.

Investigações legislativas subsequentes do estado de Nova York alegariam que Rosenstiel “era parte de um ‘consórcio’ com figuras do submundo que compravam bebida no Canadá [de Samuel Bronfman]”, cujos outros membros eram “Meyer Lansky, o renomado líder do crime organizado; Joseph Fusco, um sócio do gângster mais recente de Chicago, Al Capone, e de Joseph Linsey; um homem de Boston chamado Sr. Kelly [o investigador congressional testemunhando] identificado como um contrabandista condenado”. A relação de Rosenstiel com estes homens, particularmente Lansky, continuaria por muito tempo após a Proibição e Samuel Bronfman, de sua parte, também manteria suas ligações com a máfia.

Além de seus amigos na máfia, Rosenstiel também cultivava ligações estreitas com o FBI, desenvolvendo uma relação próxima com o por muito tempo diretor do FBI, J. Edgar Hoover, e tornando a mão direita e assistente de longa data de Hoover no FBI, Louis Nichols, o vice presidente de seu império Schenley em 1957.

A despeito de suas origens similares como barões contrabandistas transformados em empresários “respeitáveis”, as personalidades de Bronfman e de Rosenstiel eram drasticamente diferentes e seu relacionamento era, na melhor das hipóteses, complicado. Um exemplo das dissimilaridades entre os maiores barões norte-americanos de destilados é como eles tratavam seus funcionários. Bronfman não era necessariamente conhecido por ser um chefe cruel, enquanto que Rosenstiel era conhecido por seu comportamento errático e “monstruoso” com seus empregados, assim como por sua prática incomum de grampear seus escritórios para ouvir o que os empregados falavam sobre ele quando ele não estava presente.

Tais diferenças entre Bronfman e Rosenstiel também se refletiam em suas vidas pessoais. Enquanto Bronfman se casou só uma vez e foi leal a sua esposa, Rosenstiel se casou cinco vezes e era conhecido por suas excentricidades bissexuais relativamente não assumidas, uma parte de sua vida que era bem conhecida por muitos de seus sócios próximos e empregados.

Apesar de por anos existirem apenas pistas deste outro lado do controverso empresário, emergiram detalhes anos depois, durante um procedimento de divórcio iniciado pela quarta esposa de Rosenstiel, Susan Kaufman, que corroborariam as alegações. Kaufman alegou que Rosenstiel dava banquetes extravagantes que contavam com “prostitutos meninos” que seu marido tinha contratado “para o prazer” de certos convidados, que incluíam oficiais importantes do governo e figuras proeminentes no submundo do crime americano. Kaufman faria posteriormente as mesmas alegações sob juramento durante a audiência do Comitê Legislativo Conjunto do Crime do Estado de Nova York, no começo dos anos 70.

Rosenstiel não só organizava essas festas, mas também se assegurava de que seus espaços estavam grampeados com microfones que gravavam as excentricidades de seus convidados importantes. Estas gravações em áudio, alegou Kaufman, eram então guardadas com o propósito de chantagem. Apesar das alegações de Kaufman serem chocantes, seu testemunho foi considerado crível e mantido em alta estima pelo ex-conselho-chefe do Comitê do Crime, composto pelo juiz de Nova York Edward McLaughlin e o investigador do comitê William Gallinaro, e aspectos de seu depoimento foram mais tarde corroborados por duas testemunhas separadas que eram desconhecidas de Kaufman.

Essas “festas da chantagem” oferecem uma janela para olhar dentro de uma operação que depois se tornaria mais sofisticada e cresceria dramaticamente nos anos 50 sob o “comandante de campo” de Rosenstiel (apelido dado por Rosenstiel a um indivíduo que logo será mencionado neste artigo). Muitas das pessoas conectadas ao “comandante de campo” de Rosenstiel durante os anos 70 e 80 tiveram seus nomes encontrados novamente na imprensa após a recente prisão de Jeffrey Epstein.

O Mafioso “Intocável”

Bronfman e Rosenstiel tornaram-se lendários no mercado norte-americano de destilados, em parte devido a sua luta por supremacia na indústria, a qual o New York Times descreveu como frequentemente irrompendo “em amargas batalhas pessoais e corporativas”. A despeito de seu duelo no mundo corporativo, o que de fato unia os dois empresários mais do que qualquer outra coisa eram suas conexões estreitas com o crime organizado americano, particularmente com o mafioso renomado Meyer Lansky.

Lansky é um dos mais notórios gângsteres na história do crime organizado americano, e é notável por ser o único mafioso famoso a alcançar notoriedade nos anos 20 e conseguir morrer de velhice, sem passar um único dia na cadeia.

Meyer Lansky. (Foto: WikiCommons)

A longa vida de Lansky e sua habilidade de evitar a prisão foram em grande parte resultado de suas relações próximas com poderosos empresários como Bronfman e Rosenstiel (entre muitos outros), com o FBI e a comunidade de inteligência dos EUA, assim como de seu papel no estabelecimento de muitos círculos de chantagem e extorsão que o ajudaram a manter a lei a uma distância segura. De fato, quando Lansky foi finalmente acusado de um crime, nos anos 70, foi o Serviço da Receita que trouxe as acusações, não o FBI, e ele foi acusado e absolvido pelo crime de sonegação fiscal.

Lansky era notavelmente próximo tanto de Bronfman quanto de Rosenstiel. Bronfman regularmente dava “banquetes extravagantes” em homenagem a Lansky, tanto durante quanto após a Proibição. Estas festas eram lembradas com carinho pela esposa de Lansky, e Lansky por sua vez fazia favores a Bronfman, que iam de proteção exclusiva a seus carregamentos durante a Proibição até arranjar-lhe ingressos para cobiçadas “lutas do século” no boxe.

Rosenstiel também dava banquetes regularmente de honra para Lansky. Susan Kaufman, a ex-esposa de Rosenstiel, alegou ter tirado várias fotos de seu ex-marido e Lansky socializando e festejando juntos, fotos que também foram vistas por Mary Nichols do jornal The Philadelphia Inquirer. Além disso, Lansky, pelo que Kaufman se lembra, era um dos indivíduos que Rosenstiel buscava proteger de escrutínio legal como parte de seu círculo de chantagem e prostituição infantil que alvejava oficiais de alta patente, e ele foi ouvido dizendo que se o governo “algum dia fizer pressão contra Lansky ou qualquer um de nós, usaremos isso [uma gravação específica feita em uma das ‘festas’] como chantagem”.

Sabia-se que Lansky referia-se a Rosenstiel como “Comandante Supremo”, um título que depois seria usado para referir-se a Rosenstiel por um outro indivíduo profundamente conectado à máfia e às operações de chantagem sexual, mencionado anteriormente neste artigo como o “Comandante de Campo” de Rosenstiel.

Lansky também tinha ligações próximas à CIA e à inteligência militar dos EUA. Durante a 2ª Guerra Mundial, Lansky – juntamente com seu sócio Benjamin “Bugsy” Siegel – trabalhou com a inteligência naval no que recebeu o codinome de “Operação Submundo”, uma operação cuja existência o governo negou por mais de 40 anos.

O jornalista e notável cronista das atividades secretas da CIA, Douglas Valentine, notou em seu livro The CIA as Organized Crime: How Illegal Operations Corrupt America and the World (A CIA como crime organizado: Como operações ilegais corrompem a América e o Mundo) que a cooperação do governo com a máfia durante a 2ª Guerra Mundial levou à sua expansão depois da guerra e preparou o cenário para sua futura colaboração com a inteligência americana.

De acordo com Valentine:

“Oficiais superiores do governo também estavam cientes de que o pacto faustiano do governo com a máfia durante a 2ª Guerra Mundial tinha permitido que os encapuzados se insinuassem na América tradicional. Em troca por serviços prestados durante a guerra, chefes da máfia foram protegidos de acusações por dezenas de assassinatos não resolvidos. […]

A máfia era um problema gigantesco em 1951 [quando o Comitê Kefauver foi convocado], equivalente ao terrorismo hoje em dia. Mas ela era também um ramo protegido da CIA, que estava cooptando organizações criminosas ao redor do mundo e usando-as em sua guerra secreta contra os soviéticos e os chineses vermelhos. A máfia tinha colaborado com o Tio Sam e emergido da 2ª Guerra Mundial energizada e empoderada. Ela controlava cidades por todo o país.”

De fato a CIA, pouco tempo após sua criação, forjou laços com Lansky a pedido do chefe de contra-inteligência da CIA, James J. Angleton. A CIA depois se voltaria à máfia ligada a Lansky no começo dos anos 80 como parte de sua missão consistentemente infrutífera de assassinar o líder cubano Fidel Castro, mostrando que a CIA mantinha seus contatos com elementos da máfia controlados por Lansky muito tempo depois que se deu o encontro inicial entre ambos.

A CIA também tinha conexões próximas com sócios de Lansky, tais como Edward Moss, que fazia o trabalho de relações públicas para Lansky e que era do “interesse” da CIA, de acordo com o antes inspetor geral da agência, J.S. Earman. Harry “Happy” Meltzer também era outro sócio de Lansky e um efetivo da CIA, e esta pediu a Meltzer que se juntasse a uma equipe de assassinato em dezembro de 1960.

Além da CIA, Lansky também estava conectado a uma agência de inteligência estrangeira através de Tibor Rosenbaum, um traficante de armas e oficial de alta patente no Mossad de Israel, cujo banco – o Banco Internacional de Crédito de Geneva – lavou muito dos ganhos ilícitos de Lansky e os reciclou em legítimos negócios americanos.

O jornalista Ed Reid, autor da biografia de Virginia Hill The Mistress and the Mafia (A Amante e a Máfia), escreveu que Lansky estava tentando aprisionar pessoas poderosas através de chantagem sexual mesmo antes, em 1939. Reid argumenta que Lansky enviou a Srta. Hill para o México, onde suas conexões na Costa Oeste tinham estabelecido um círculo de drogas que posteriormente envolveu a OSS, a precursora da CIA, para seduzir vários “políticos, oficiais do exército, diplomatas e oficiais da polícia”.

Eventualmente Lansky foi creditado por obter fotos comprometedoras do diretor do FBI, J. Edgar Hoover, em algum momento nos anos 40. Estas mostravam “Hoover em algum tipo de situação gay”, de acordo com um ex-sócio de Lansky, que também disse que Lansky tinha frequentemente se gabado, “Eu consertei aquele filho da puta”. As fotos mostravam Hoover envolvido em atividade sexual com seu amigo de longa data, o vice-diretor do FBI Clyde Tolson.

Em algum momento essas fotos caíram nas mãos do chefe de contra-inteligência da CIA James J. Angleton, que depois mostrou as fotos a muitos outros oficiais da CIA, incluindo John Weitz e Gordon Novel. Angleton estava encarregado da relação da CIA com o FBI e com o Mossad de Israel até que saiu da agência em 1972 e, como mencionado recentemente, também estava em contato com Lansky.

Anthony Summers, ex-jornalista da BBC e autor de Official and Confidential: The Secret Life of J. Edgar Hoover (Oficial e Confidencial: A Vida Secreta de J. Edgar Hoover), argumentou que não foi Lansky, mas William Donovan, o diretor da OSS, que obteve as fotos originais de Hoover e depois compartilhou-as com Lansky.

Summers também declarou que “para [o gângster Frank] Costello e Lansky, a habilidade de corromper políticos, policiais e juízes era fundamental para as operações da máfia. A forma que encontraram de lidar com Hoover, de acordo com várias fontes na máfia, envolvia sua homossexualidade”. Esta anedota mostra que Lansky e a CIA mantinham uma relação secreta, que incluía, entre outras coisas, o compartilhamento de material de chantagem (i.e., “inteligência”).

Também é possível que Hoover tenha sido enredado pela máfia durante uma das “festas de chantagem” de Rosenstiel, nas quais Hoover se encontrou algumas vezes na presença de figuras proeminentes da máfia. Dizia-se que Hoover teria vestido roupas de mulher em alguns dos eventos e a esposa de Meyer Lansky disse depois que seu marido tinha fotos do ex-diretor do FBI como uma drag queen. Ademais, Hoover é registrado mostrando uma preocupação incomum com o manuseio das ligações criminais de Rosenstiel pelo FBI já desde 1939, o mesmo ano em que seu sócio chegado Lansky estava orquestrando ativamente a chantagem sexual de figuras políticas poderosas.

A chantagem adquirida de Hoover e a posse da evidência pela máfia têm sido citadas como fatores principais na negação de Hoover por décadas de que redes nacionais de crime organizado eram um problema sério. Hoover afirmava que este era um problema local, descentralizado, e portanto fora da jurisdição do FBI. Quando Hoover finalmente reconheceu a existência de redes nacionais de crime organizado, em 1963, elas estavam tão arraigadas no establishment americano que já eram intocáveis.

O consultor criminal Ralph Salerno disse a Summers em 1993 que a ignorância intencional de Hoover durante a maior parte de sua carreira como diretor do FBI “permitiu que o crime organizado crescesse muito fortemente em termos políticos e econômicos, de forma que se tornou uma ameaça muito maior ao bem-estar deste país do que teria sido se fosse enfrentado mais cedo”.

J. Edgar Hoover: Vítima de Chantagem? 

A maior parte dos registros coloca o início da relação de Hoover e Rosenstiel nos anos 50, a mesma década em que Susan Kaufman relatou que Hoover estava frequentando as festas de chantagem de Rosenstiel. O arquivo do FBI de Rosenstiel, obtido por Anthony Summers, cita a primeira reunião com Rosenstiel ocorrendo em 1956, apesar de Summers notar que há evidência de eles terem se encontrado muito antes. Depois de solicitar a reunião, Rosenstiel conseguiu um encontro face-a-face com o diretor em uma questão de horas. O arquivo do FBI sobre Rosenstiel também revela que o barão dos destilados fazia um lobby pesado com Hoover para que este ajudasse em seus interesses econômicos.

Durante essa época, os detalhes salazes da vida sexual de Hoover já eram conhecidos pela comunidade de inteligência dos EUA e pela máfia, e Hoover estava ciente que eles sabiam tanto de sua sexualidade não assumida quanto de sua inclinação a se vestir como mulher. Contudo, Hoover aparentemente abraçou o mesmo tipo de operação de chantagem sexual que tinha comprometido sua vida privada, dado que ele foi visto em muitas das “festas de chantagem” nos anos 50 e 60, inclusive em locais como a casa pessoal de Rosenstiel e depois no Plaza Hotel de Manhattan. A inclinação de Hoover a se travestir também foi descrita por duas testemunhas que não eram conectadas a Susan Kaufman.

Pouco depois de sua primeira reunião “oficial”, a relação pública entre os dois homens floresceu rapidamente, com Hoover até mesmo enviando flores a Rosenstiel quando este ficava doente. Summers relatou que, em 1957, Rosenstiel foi ouvido dizendo a Hoover durante uma reunião, “seu desejo é meu comando”. O relacionamento dos dois permaneceu próximo e íntimo ao longo dos anos 60 e depois.

J. Edgar Hoover na década de 60. (Foto: Marion S. Trikosko / Library of Congress)

Como Rosenstiel, Hoover era bem conhecido por acumular chantagens contra amigos e inimigos igualmente. O escritório de Hoover continua tendo “arquivos secretos” sobre muitas pessoas poderosas em Washington e além, arquivos que ele usava para ganhar favores e proteger seu status como diretor do FBI pelo tempo que desejasse.

A propensão do próprio Hoover à chantagem sugere que ele pode ter se associado mais diretamente à operação de chantagem sexual de Rosenstiel, dado que ele já sabia que estava comprometido e que seu envolvimento na operação teria servido como meio de adquirir a chantagem que ele cobiçava para seus próprios propósitos. De fato, se Hoover estivesse sendo meramente chantageado e extorquido pela máfia conectada a Lansky e Rosenstiel, seria improvável que ele fosse tão amigável com Rosenstiel, Lansky e os outros mafiosos nesses encontros, ou que tivesse participado deles com tanta regularidade.

De acordo com o jornalista e autor Burton Hersh, Hoover também estava ligado a Sherman Kaminsky, que executava uma operação de chantagem sexual em Nova Iorque envolvendo jovens prostitutos. A operação foi apanhada e investigada em um inquérito de extorsão de 1966 liderado pelo promotor do distrito de Manhattan, Frank Hogan, apesar do FBI ter rapidamente assumido a investigação e das fotos de Hoover e Kaminsky juntos terem logo desaparecido do arquivo do caso.

As ligações profundas de Hoover e Rosenstiel continuariam a se desenvolver ao longo dos anos. Um exemplo disso pode ser visto na contratação por parte de Rosenstiel de um assessor de longa data de Hoover, Louis Nichols, como o vice-presidente de seu império de destilados Schenley, e na doação de mais de 1 milhão de dólares que Rosenstiel fez à Fundação J. Edgar Hoover, também administrada por Nichols na época.

Há também mais de uma ocasião documentada em que Hoover tentou usar de chantagem para proteger Rosenstiel e seu “comandante de campo”, ninguém menos que o famoso Roy Cohn, a outra figura chave na operação de chantagem sexual de Rosenstiel envolvendo menores.

A Criação de um Monstro

Décadas após sua morte, Roy Cohn permanece uma figura controversa – em boa parte por sua relação pessoal próxima com o atual presidente dos EUA, Donald Trump. Contudo notícias sobre Cohn, tanto em anos recentes quanto passados, frequentemente erram o alvo em sua caracterização do homem que se tornou estreitamente associado com a Casa Branca de Reagan, da CIA, do FBI, do crime organizado e, incidentalmente, com muitas das figuras que mais tarde rodeariam Jeffrey Epstein.

Para entender a verdadeira natureza deste homem é essencial examinar sua ascensão rápida ao poder no início dos anos 50, quando, somente com 23 anos de idade, se tornou uma figura chave no famoso julgamento dos espiões soviéticos Ethel e Julius Rosenberg, atuando depois como a mão direita do senador Joseph McCarthy (R-WI).

O senador anticomunista Joseph McCarthy conversa com seu advogado, Roy Cohn, em 1954. (Foto: Library of Congress)

A dedicação de Cohn a atividades anticomunistas nos anos 50 é supostamente o que o fez querido a J. Edgar Hoover, que ele conheceu em 1952. Durante esse encontro, conforme descrito por Hersh em Bobby and J. Edgar: The Historic Face-Off Between the Kennedys and J. Edgar Hoover That Transformed America (Bobby e J. Edgar: A histórica disputa entre os Kennedys e J. Edgar Hoover que transformou a América), Hoover expressou admiração pelas táticas agressivas e manipuladoras de Cohn e disse a Cohn para “me ligar diretamente” sempre que ele tivesse informação que valesse compartilhar. Daquele momento em diante, Cohn e Hoover “trocavam favores, elogios efusivos, presentes e elaborados jantares privados. Eles rapidamente se tornaram ‘Roy’ e ‘Edgar’”. Hersh também descreve Hoover como prestes a ser o “consigliere” de Cohn.

A data e as circunstâncias em torno da apresentação de Cohn a Rosenstiel são mais difíceis de visitar. É possível que a conexão tenha sido feita através do pai de Roy Cohn, Albert Cohn, um juiz proeminente e uma figura de influência no aparato do Partido Democrata da cidade de Nova Iorque, na época conduzido por Edward Flynn. Mais tarde foi revelado que a organização Democrata dominada por Flynn e com base no Bronx tinha conexões de longa data com o crime organizado, inclusive com sócios de Meyer Lansky.

Independente de como ou quando começou, a relação entre Cohn e Rosenstiel era próxima e frequentemente comparada à de pai e filho. Dizia-se que eles frequentemente saudavam um ao outro em público e que permaneceram próximos até Rosenstiel estar perto da morte, momento em que Cohn tentou enganar seu “amigo” e cliente, já senil e quase inconsciente, para ser nomeado como executivo e administrador da herança do magnata, avaliada em $75 milhões (mais de $334 milhões nos dólares de hoje).

A LIFE Magazine relatou em 1969 que Cohn e Rosenstiel tinham por anos referido-se um ao outro como “Comandante de Campo” e “Comandante Supremo”, respectivamente. Referências na mídia a esses apelidos aparecem em outros artigos da época.

Apesar da LIFE e outros veículos terem interpretado a notícia como meramente uma anedota sobre os apelidos compartilhados de brincadeira entre amigos próximos, o fato do notório senhor do crime Meyer Lansky também chamar Rosenstiel de “Comandante Supremo” e o fato de que Cohn e Rosenstiel mais tarde ficariam intimamente envolvidos no mesmo círculo sexual de pedofilia sugere que há algo mais nesses “apelidos”. Afinal de contas, a máfia à qual Rosenstiel era conectado frequentemente usava títulos de temática militar como “soldado” e “tenente” para diferenciar a patente e a importância de seus membros.

Assim que fez sua conexão com Hoover, a estrela de Cohn começou a subir ainda mais alto em Washington. A recomendação que Hoover fez de Cohn seria o fator decisivo em sua designação como o conselheiro geral do senador McCarthy ao invés de Robert Kennedy, um rival e amargo inimigo de Cohn.

Apesar de Cohn ser cruel e aparentemente intocável como conselheiro de McCarthy, e de ter ajudado o senador a destruir muitas carreiras durante as ameaças vermelha (Red Scare) e lavanda (Lavender Scare), suas excentricidades em relação ao seu trabalho no comitê levariam eventualmente à sua queda depois de uma tentativa de chantagem com o Exército, visando tratamento preferencial para David Schine, consultor do comitê e suposto amante de Cohn.

Depois de ser forçado a se afastar de McCarthy devido ao escândalo, Cohn voltou a Nova Iorque para viver com sua mãe e trabalhar como advogado. Alguns anos depois o juiz de Nova Iorque, David Peck, um sócio de longa data de Allan Dules, ex-diretor da CIA, orquestrou a contratação de Cohn na firma nova-iorquina de advocacia Saxe, Bacon and O’Shea – que mais tarde se tornaria Saxe, Bacon and Bolan depois que Tom Bolan, um amigo de Cohn, tornou-se sócio da firma. Após sua contratação, Cohn trouxe à firma uma porção de clientes ligados à máfia, incluindo membros de alta patente da família criminosa Gambino, a família criminosa genovesa e, sem dúvida, Lewis Rosenstiel.

O que houve na Suíte 233?

As conexões que Roy Cohn construiu durante os anos 50 fizeram-no uma figura pública bem conhecida, e isso se traduziu em uma grande influência política que atingiu seu pico durante a presidência de Ronald Reagan. Contudo, conforme Cohn construía sua imagem pública, ele também desenvolvia uma obscura vida privada, a qual viria a ser dominada pelo mesmo esquema pedófilo de chantagem que parece ter começado primeiro com Lewis Rosenstiel.

Uma das “festas de chantagem” à qual Susan Kaufman compareceu com Lewis Rosenstiel, seu marido na época, foi dada por Cohn em 1958 no Plaza Hotel de Manhattan, na suíte 233. Kaufman descreveu a suíte de Cohn como uma “suíte linda… toda preparada em azul claro”. Ela se descreveu sendo apresentada a Hoover, que estava vestido de drag queen, por Cohn, que disse a ela em um acesso de risada mal contida que o nome de Hoover era “Mary”. Kaufman testificou que garotos jovens estavam presentes e Kaufman alegou que Cohn, Hoover e seu ex-marido tiveram relações sexuais com esses menores.

O promotor de Nova Iorque, John Klotz, encarregado de investigar Cohn por um caso tempos depois do testemunho de Kaufman, também encontrou evidências da “suíte azul” no Plaza Hotel e de seu papel em um círculo de extorsão sexual após vasculhar tanto documentos locais do governo quanto informações coletadas por detetives privados. Klotz depois contou ao autor e jornalista Burton Hersh o que tinha descoberto:

“Roy Cohn estava fornecendo proteção. Havia um monte de pedófilos envolvidos. É dali que Cohn conseguia seu poder – da chantagem.”

Talvez a confirmação mais condenatória das atividades de Cohn na Suíte 233 venha de declarações feitas pelo próprio Cohn a James Rothstein, ex-detetive da polícia de Nova Iorque e ex-chefe do departamento da Divisão de Tráfico Humano e Crimes Relacionados a Vícios. Rothstein depois contou a John DeCamp – um ex-senador do estado de Nebraska que investigava um círculo de sexo infantil sediado em Omaha e conectado ao governo -, entre outros investigadores, que Cohn tinha assumido ser parte de uma operação de chantagem sexual alvejando políticos com prostituição infantil durante uma entrevista exclusiva com o ex-detetive.

Rothstein contou a DeCamp o seguinte sobre Cohn:

“O trabalho de Cohn era levar os garotinhos. Digamos que você tivesse um almirante, um general, um deputado, que não queria colaborar com o programa. O trabalho de Cohn era armar para eles, e então eles colaboravam. O próprio Cohn me disse isso.”

Rothstein depois contou a Paul David Collins, um ex-jornalista que se tornou pesquisador, que Cohn também tinha identificado essa operação de chantagem sexual como sendo parte da cruzada anticomunista da época.

O fato de que Cohn, pela lembrança de Rothstein, declarou que o círculo de chantagem com sexo infantil era parte da cruzada anticomunista patrocinada pelo governo, sugere que elementos do governo, incluindo o FBI de Hoover, podem ter estado conectados num nível muito mais amplo que o próprio envolvimento pessoal de Hoover, já que o FBI agiu em estreita coordenação com McCarthy e Cohn por boa parte do período da “ameaça vermelha”.

Também é digno de nota que entre os muitos arquivos de chantagem “secretos” de Hoover estava um dossiê considerável sobre o senador McCarthy, cujo conteúdo sugeria fortemente que o próprio senador tinha interesse em garotas menores de idade. De acordo com o autor e jornalista David Talbot, o arquivo de Hoover sobre McCarthy estava “repleto de histórias perturbadoras sobre o hábito de McCarthy de apalpar quando bêbado os seios e as nádegas de jovens garotas. As histórias eram tão difundidas que se tornaram ‘conhecimento geral’ na capital, de acordo com um cronista do FBI”.

Talbot, em seu livro The Devil’s Chessboard (O tabuleiro de xadrez do Demônio), também cita Walter Trohan, chefe do escritório de Washington do Chicago Tribune, como tendo testemunhado pessoalmente o hábito que McCarthy tinha de molestar jovens mulheres. “Ele simplesmente não conseguia manter suas mãos longe de meninas”, Trohan diria posteriormente. “Por que a oposição comunista não infiltrou uma menor de idade e começou a proclamar o estupro de vulnerável, eu não sei”. Talvez a resposta esteja no fato de que quem “infiltrava” menores de idade contra inimigos políticos eram os aliados e sócios próximos de McCarthy, não seus inimigos.

A questão que necessariamente surge de revelações em relação às atividades de Cohn na Suíte 233 é: quem mais Cohn estava “protegendo” e “servindo” com prostitutos e prostitutas menores de idade? Um deles pode muito bem ter sido um dos amigos e clientes próximos de Cohn, o cardeal Francis Spellman da Arquidiocese de Nova Iorque, que diz-se ter estado presente em algumas dessas festas dadas por Cohn no Plaza Hotel.

Spellman – uma das figuras mais poderosas da Igreja Católica na América do Norte, que era às vezes chamado de “Papa da América” – foi acusado não só de tolerar pedofilia na Igreja Católica e de ordenar pedófilos conhecidos, incluindo o cardeal Theodore “Tio Teddy” McCarrick, mas também de praticá-la ele mesmo, a tal ponto que muitos padres da área de Nova Iorque referiam-se amplamente a ele como “Mary”. Além do mais, J. Edgar Hoover supostamente tinha um arquivo detalhando a vida sexual do cardeal, sugerindo o envolvimento de Spellman no círculo e esquema de proteção de pedófilos no qual Cohn e Hoover estavam pessoalmente envolvidos.

Pessoas próximas a Cohn por vezes notaram que ele estava frequentemente rodeado por grupos de meninos, mas não parecem ter pensado a respeito. Comentários espontâneos similares a respeito da inclinação de Epstein por menores de idade foram feitos por pessoas próximas a ele antes de sua prisão.

Roger Stone, o controverso agente político e “trapaceiro sujo” republicano – que, como Donald Trump, era também um protegido de Cohn – disse o seguinte a respeito da vida sexual de Cohn durante uma entrevista com o The New Yorker em 2008:

“Roy não era gay. Ele era um homem que gostava de fazer sexo com homens. Gays eram fracos, afeminados. Ele parecia sempre ter esses meninos loiros em volta dele. Isso simplesmente não era discutido. Ele estava interessado em poder e accesso.” (ênfase acrescentada)

Compare esta citação de Stone com o que Donald Trump, que também era próximo a Cohn, diria posteriormente a respeito de Jeffrey Epstein, com o qual ele também era intimamente associado:

“Eu conheço Jeff há 15 anos. Um cara sensacional. É muito divertido estar com ele. Dizem até que ele gosta tanto de mulheres bonitas quanto eu, e muitas delas estão pelo lado mais jovem. Sem dúvidas Jeffrey aproveita sua vida social.” (ênfase acrescentada)

Apesar de não sabermos por quanto tempo o círculo sexual no Plaza Hotel continuou, ou se sequer continuou após a morte de Cohn por AIDS em 1986, é digno de nota que Donald Trump comprou o Plaza Hotel em 1988. Notícias diriam posteriormente, confirmadas pelos participantes na época, que Trump “costumava dar festas em suítes no Plaza Hotel quando o comprou, onde jovens mulheres e garotas eram apresentadas a homens mais ricos e mais velhos” e “drogas ilegais e jovens mulheres eram repassadas e usadas”.

Andy Lucchesi, um modelo masculino que tinha ajudado a organizar algumas dessas festas no Plaza Hotel para Trump, disse o seguinte quando perguntado sobre a idade das mulheres presentes: “Muitas garotas, 14, parecem ter 24. É a informação mais picante que eu posso dar. Eu nunca perguntava quantos anos elas tinham; eu só participava. Eu de fato participei também em atividades que seriam controversas”.

A Máquina de Roy Cohn

Roy Cohn estava ainda no início de sua carreira quando vadeou seu caminho até o círculo oculto de chantagem sexual aparentemente liderado por Lewis Rosenstiel. De fato, Cohn só tinha 23 anos quando conheceu Hoover. Durante mais ou menos as três décadas seguintes, antes de sua morte por complicações relacionadas à AIDS em 1986, com 56 anos, Cohn construiu uma máquina bem lubrificada, em grande parte através de suas amizades próximas com algumas das figuras mais influentes do país.

Entre os amigos de Cohn estiveram grandes personalidades da mídia como Barbara Walters, ex-diretores da CIA, Ronald Reagan e sua esposa Nancy, os magnatas da mídia Rupert Murdoch e Mort Zuckerman, numerosas celebridades, advogados proeminentes como Alan Dershowitz, figuras superiores na Igreja Católica e em importantes organizações judaicas como a B’nai B’rith e o Congresso Judaico Mundial. Muitos dos mesmos nomes que estiveram em torno de Cohn até sua morte no final dos anos 80 estariam em torno de Jeffrey Epstein posteriormente, com seus nomes mais tarde aparecendo no agora famoso “livrinho negro” de Epstein.

Ao mesmo tempo em que o presidente Trump está claramente conectado tanto a Epstein quanto a Cohn, a rede de Cohn também se estende ao ex-presidente Bill Clinton, cujo amigo e conselheiro político de longa data, Richard “Dirty Dick” Morris, era primo de Cohn e seu associado próximo. Morris também era próximo do ex-diretor de comunicações de Clinton, George Stephanopoulos, que também está associado a Jeffrey Epstein.

Contudo estas eram somente as conexões de Cohn com membros respeitáveis do establishment. Ele também era conhecido por suas profundas conexões com a máfia e ganhou proeminência em grande parte por sua habilidade de conectar figuras chave no submundo do crime a respeitadas figuras influentes que fossem aceitáveis à esfera pública. Em última instância, conforme declarou o promotor de Nova Iorque John Klotz, a ferramenta mais poderosa de Cohn era a chantagem, que ele usava igualmente contra amigos ou inimigos, gângsters ou oficiais públicos. Quanto dessa chantagem ele adquiriu através de sua operação de chantagem sexual provavelmente nunca será descoberto.

Conforme vai revelar a parte II desta investigação exclusiva, Cohn e Epstein, e as operações de chantagem sexual que eles executavam, tem muitas coisas em comum, incluindo não só muitos dos mesmos amigos e patronos famosos, mas também conexões a agências de inteligência e consórcios de empresários ligados à máfia, os equivalentes de Samuel Bronfman e Lewis Rosenstiel dos dias modernos, que desde então foram renomeados “filantropos”.

A parte II também vai revelar que a operação de Cohn teve sucessoras, conforme revelado por uma série de escândalos no começo dos anos 90 que tem desde então sido varrida para debaixo do tapete. A quantidade significativa de sobreposições entre as atividades secretas de chantagem sexual de Epstein e de Cohn, assim como suas ligações a muitos dos mesmos indivíduos e círculos de influência poderosos, sugere fortemente que Epstein foi um dos sucessores de Cohn.

Como será mostrado no número final deste artigo, Epstein é só a última encarnação de uma operação muito mais antiga, extensa e sofisticada que oferece um vislumbre assustador do quão profundamente o governo americano está ligado aos equivalentes modernos do crime organizado, fazendo-o um esquema verdadeiramente grande demais para falhar.

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