O presidente colombiano Iván Duque apresentou um projeto de reforma tributária ao Congresso da República em 20 de abril, com o qual pretendia arrecadar cerca de 8 bilhões de dólares, sob o argumento de enfrentar a crise sanitária. Esta proposta foi rejeitada pela maioria dos diversos setores políticos e sociais do país, causando uma onda de protestos massivos (Greve Nacional) em todas as cidades da Colômbia desde 28 de abril; após cinco dias de mobilizações e repressão policial (com 16 mortos confirmados e muitos feridos), o governo foi forçado, no dia 2 de maio, a retirar o projeto e apelar ao diálogo político.
A resposta foi rechaçada desde o início pela maioria das bancadas parlamentares, incluindo alguns partidos oficialistas e outros que haviam dado apoio e governabilidade ao presidente (como o Partido Liberal, liderado pelo ex-presidente César Gaviria). Era uma proposta com o selo de fracasso desde o começo.
Atendendo a múltiplos interesses, esses setores políticos e boa parte da sociedade civil mostraram seu desacordo com a estrutura da reforma, e inclusive com a própria ideia de impor mais impostos, já que desde a reforma tributária anterior de Duque, de 2019, o mal-estar foi crescendo ao compasso das enormes isenções fiscais concedidas aos grandes capitais, que se beneficiaram com mais de 4 bilhões de dólares por ano desde então.
O contexto social também não é favorável. Os altos índices de pobreza aumentaram consideravelmente: relatórios oficiais estimam a pobreza monetária em 42,5% (21,1 milhões de pessoas) e a pobreza monetária extrema chega a 15,2% (7,6 milhões de pessoas), com 14,5% de desemprego, 51,2% de informalidade e com sérias dificuldades de vacinação (cinco milhões de doses foram aplicadas, sem que a Pfizer ou a Sinovac aumentem o ritmo de entregas), com novos surtos de infecções que forçam o fechamento parcial das lojas.
Tudo isso acontece em um ano pré-eleitoral, em que todas as formações políticas começam a pensar e agir em face de seus eleitores, com maior cálculo político. Embora faltem dez meses para as eleições parlamentares e um ano para as presidenciais, o governo já tem o sol nas costas e não tem força suficiente para somar todos os grupos de direita à sua agenda de gestão.
Efeitos políticos da retirada da reforma tributária
1 – A retirada do projeto de reforma tributária é uma derrota política e simbólica para o uribismo e para o presidente Duque. A um ano das eleições, esse revés afugentará seus aliados no Congresso, com quem logrou estabilizar sua governabilidade em 2019, mas que não se definem como oficialistas: o Partido Liberal do ex-presidente César Gaviria e o Cambio Radical do ex-vice-presidente de Juan Manuel Santos, Germán Vargas Lleras. Esses partidos já estão pedindo para que suas cotas ministeriais deixem o governo, o que significaria um cenário de ingovernabilidade, ao não conseguir maiorias no Congresso. Gaviria e Vargas Lleras, ao rechaçar a reforma e desligar-se de Duque, pretendem canalizar o descontentamento social e colocar em seus próprios pescoços uma medalha de triunfo pensando em 2022.
2 – O ministro da Fazenda apresentou sua renúncia sem que ela ainda tivesse sido aceita pelo presidente Duque. Inicia-se uma negociação entre partidos da direita, promovida pelo uribismo para conseguir governabilidade; nesse contexto, a oferta de ministérios pode levar a uma crise ministerial que culmine com várias mudanças.
3 – A coalizão do Pacto Histórico, liderada por Gustavo Petro e Iván Cepeda, sai muito fortalecida. Seus parlamentares lideraram a oposição à reforma e acertaram em sua vinculação à população e ao respaldo à greve nacional. No entanto, isso pode ser um triunfalismo que conduz a erros, como igualar a agitação social a uma estrutura de mudança.
4 – A população ganhou ao sair massivamente às ruas para demonstrar seu inconformismo. O fez por um acúmulo de demandas não contempladas e pela desconexão do governo com as maiorias. O governo é percebido como uma elite, e a reforma tributária só acabou por forçar a decisão a grupos moderados, que estavam esperando o diálogo com o governo. A mobilização seguirá enquanto o governo e o Congresso não derem uma resposta social e pacífica.
5 – A juventude ganhou. Falou claramente e está cumprindo um papel central na disputa; nos próximos meses será o centro das ações estatais criminalizar essa vontade, já que o governo sabe que existe despolitização e que o medo é capaz de dissuadir. Talvez seja tarde para reverter esse sentido comum antiuribista (principalmente) construído na juventude colombiana. Pessoas que votaram em Uribe e em Duque se declaram hoje antiuribistas, fartas da corrupção e solidárias com a mobilização. Há uma “repolitização” do país.
6 – A situação deu um impulso à esquerda e ao progressismo, que têm a responsabilidade de orientar como a disputa continuará. Se esse descontentamento for orientado e administrado, estará refletido nas eleições e esquerda ou o progressismo serão governo; se não o fazem bem, o inconformismo pode ser engolido pela antipolítica (voto branco, nulo, todos são iguais, etc.)
7 – O presidente Duque lançou o Exército às ruas no sábado (1). Essa ameaça de militarização acabou rápido, pois 24 horas depois Duque se viu obrigado a retirar a reforma. O povo não se intimidou e as forças militares devem estar calculando para não carregar o fardo de um governo tão debilitado. O cenário mais provável é que estejam pensando em uma alternativa própria (não um golpe, mas um acordo com a direita não-uribista, em sintonia com os EUA de Biden).
8 – Acabam enfraquecidos a prefeita de Bogotá, Claudia López, e o de Cali, Iván Ospina. São grandes perdedores porque apoiaram a reforma tributária e não conseguiram evitar os abusos da força pública. Em Cali, a cifra oficial é de sete pessoas mortas, há pessoas desaparecidas e muitos feridos. Só se distanciaram de Duque, contra a militarização, quando o presidente decidiu retirar a reforma.
9 – As mobilizações ultrapassaram o poder dos meios de comunicação tradicionais (como RCN e El Tiempo), que desde o começo estigmatizaram o chamado à greve. Por outro lado, as redes sociais ganharam: são o centro de interação, discussão e informação (e desinformação).
Cenários
O primeiro cenário é um diálogo da elite. Ao retirar a reforma tributária, o presidente Duque chamou ao diálogo, mas não está claro se repetirá seu manual de 2019, quando decidiu acordar com o Cambio Radical e o Partido Liberal – junto às câmaras empresariais – e nunca se reuniu com os representantes da greve, nem sindicais, nem sociais. É o cenário mais provável, mas as forças políticas da direita estão pensando nas eleições de 2022 e poderiam deixar o uribismo sem margem para governar. Nesse sentido, as privatizações das poucas empresas estatais que ainda restam serão a saída para financiar o último ano de governo.
O outro cenário é de diálogo nacional com todos os setores, o que implica reconhecer uma agenda de demandas mais amplas que a tributária, que incluem a política de paz e reivindicações setoriais. É um cenário de baixa probabilidade, mas poderia ser a saída para descomprimir a raiva e terminar o mandato com o diálogo social como legado.