Enquanto poderes diplomáticos e atores regionais se encontram às portas fechadas para discutir um cessar-fogo, Israel continua a fazer chover mísseis sobre Gaza. Os ataques aéreos israelenses até o momento mataram ao menos 230 palestinos, incluindo 65 crianças, e deixaram 1.710 feridos. O pesado bombardeio também fez desaparecer conjuntos residenciais inteiros e casas, deixando 72 mil pessoas sem casas, e destruiu redações de imprensa, escolas, bibliotecas e caridades.
De acordo com a Força Aérea Israelense (IAF), na noite de quarta-feira (19) Israel disparou 120 mísseis em um período de 25 minutos. O ataque mais recente atingiu a cidade de Khan Yunis, em Gaza, matando um e deixando oito feridos. As Forças de Defesa de Israel (IDF) não puderam prover um número exato de quantas bombas estão sendo jogadas sobre Gaza por hora. A IAF não respondeu a perguntas da imprensa. O jornal Times of Gaza, no entanto, reportou que mais de 100 ataques aéreos ocorreram em um periodo de trinta minutos, em 14 de maio.
Em meio aos escombros, palestinos em Gaza encontraram mísseis não detonados com inscrições indicando que essas bombas foram fabricadas nos Estados Unidos. O uso de armamento de fabricação norte-americana no último ataque de Israel a Gaza está renovando as discussões sobre a ajuda estrangeira dos EUA a Israel e a cumplicidade dos EUA na violência do estado israelense.
Cumplicidade corporativa
Em sua página no Twitter, Muhammad Shehada, escritor de Gaza e gerente analista do Euro-Mediterranean Human Rights Monitor, escreveu que Israel atacou a Torre Al-Jalaa, que abrigava o escritório da Associated Press e os escritórios da Al Jazeera, com uma bomba GBU-31 no sábado. Israel também usou as bombas GBU-39 Small Diameter e Mark 84 em sua ofensiva atual. As bombas GBU-31 e GBU-39 são fabricadas pela Boeing e as bombas Mark 84 são produzidas pela General Dynamics. Ambos os mísseis são fabricados nos EUA.
Vários posts no Twitter relatam caças F-15, F-16 e F-35 também pairando sobre Gaza. E para maior verificação, o site da IAF apresenta esses três aviões de guerra como parte de seu arsenal.
A Boeing fabrica os caças F-15 e a Lockheed Martin fabrica aviões de guerra F-16 e F-35. Mas essas não são as únicas corporações americanas envolvidas na produção de aeronaves militares de Israel.
A General Electric produz os motores para os jatos F-15 e F-16. A Raytheon Technologies cria os mísseis usados para armar os aviões F-15 e F-35. De acordo com o banco de dados de investigação do American Friends Service Committee, a Northrop Grumman fabrica “aproximadamente 35% da aeronave Lockheed Martin F-35, incluindo sua fuselagem central, radar, aviônica, eletro-óptica, navegação, comunicações e subsistemas de identificação e sistemas de missão e software de planejamento de missão.” O fabricante de armas também fez parceria com a indústria militar israelense para construir o pod de mira LITENING, um sistema de navegação a laser de armas usado em aviões de guerra F-16.
As vendas militares para Israel geram lucros enormes para essas corporações americanas. A Boeing garantiu uma venda de 2,4 bilhões de dólares para Israel por meio do Departamento de Estado dos EUA no ano passado. Em fevereiro, a gigante aeroespacial fechou um acordo colossal de 9 bilhões de dólares com o Ministério da Defesa de Israel. Na última década, os contratos da Raytheon com Israel totalizaram mais de 4 bilhões de dólares. A venda mais recente da Lockheed Martin para Israel é estimada em mais de 2 bilhões de dólares. Em 2016, a General Electric obteve parte de uma venda de 300 milhões de dólares para Israel. A Northrop Grumman é menos transparente sobre suas vendas internacionais. Dos 36,8 bilhões de dólares em vendas da Northrop Grumman em 2020, 14% foram internacionais.
Essas empresas não responderam aos pedidos de comentários do MintPress News.
Uma aliança militar coordenada entre EUA e Israel
Apesar de fazer um apelo à desaceleração do atual conflito, a administração do presidente Joe Biden está levando a frente seu acordo militar de 735 milhões de dólares com Israel.
Espera-se que os principais fabricantes de armas e aeronaves – Boeing, Lockheed Martin e Raytheon Technologies – vejam seus ganhos crescerem com a venda pendente. A Boeing é a principal beneficiária prevista do negócio, já que a venda será de suas Joint Direct Attack Munition (JDAM), kit que transforma bombas comuns em bombas guiadas.
Israel recebe anualmente 3,8 bilhões de dólares em assistência militar estrangeira dos EUA, dos quais Israel deve gastar 75% em armamentos de fabricação americana sob um acordo entre os dois governos. A recente venda de 735 milhões veio dessa ajuda anual, de acordo com Danaka Katovich, coordenadora para o Oriente Médio e do Coletivo de Paz da organização anti-guerra liderada por mulheres CODEPINK.
Katovich aponta para o fato de que esses acordos militares não são a única forma com a qual EUA e Israel trabalham juntos na área da defesa: “Os EUA e Israel tiveram uma forte aliança militar desde a Nakba”, disse ela, se referindo à campanha de limpeza étnica israelense na Palestina em 1947 e 1948, conhecida como Nakba ou “catástrofe” em árabe. “Israel e os EUA fazem exercícios militares conjuntos, e outros países frequentemente trabalham juntos para desenvolver sistemas e armas também”.
Katovich também fez alusão a relatórios que tratam de como a Agência de Segurança Nacional dos EUA fornece inteligência não filtrada a Israel, incluindo dados de cidadãos americanos.
Biden enfrenta crescente oposição democrata
A resistência do Congresso contra o acordo de armas do governo Biden foi rápida e contundente. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez redigiu uma resolução bloqueando o negócio de um quarto de bilhão de dólares, escrevendo em um tweet na quarta-feira que os EUA não deveriam estar “carimbando” armas para Israel.
A deputada Betty McCollum também condenou a venda de armas. “Vender armas de fabricação americana para Israel enquanto membros do Congresso pedem um cessar-fogo é completamente desafinado”, disse o democrata de Minnesota ao MintPress News. “Israel precisa acabar com o bombardeio de famílias palestinas em Gaza e a administração Biden deve fazer mais para trazer uma conclusão a esta terrível crise o mais rápido possível”.
McCollum é uma defensora proeminente dos direitos palestinos no Congresso. Em abril, ela apresentou um projeto de lei “[garantindo] que os fundos do contribuinte dos Estados Unidos não sejam usados pelo governo de Israel para apoiar” a detenção militar de crianças palestinas e posterior anexação de terras palestinas. Ela disse que o apoio ao projeto está crescendo a cada dia, enfatizando como quatro políticos do Congresso assinaram o projeto de lei desde 12 de maio – quando Israel começou sua campanha de bombardeio contra Gaza.
Enquanto o Partido Democrata aparenta estar mudando sua posição sobre a questão Palestina-Israel, Katovich, do CODEPINK, confirmou que a mudança vem acontecendo, ainda que lentamente: “Com muitos democratas que estão no Congresso há muito tempo, não houve muita mudança em seus pensamentos e ações sobre este assunto. Mas acho que há alguma esperança com as pessoas mais corajosas no Congresso, como Rashida Tlaib, Ilhan Omar e Alexandria Ocasio-Cortez. Portanto, estamos nos movendo na direção certa.”
Contrariando a pressão implacável do AIPAC
Em meio a pedidos crescentes de políticos progressistas e grupos ativistas nos EUA para acabar com o bombardeio de Israel contra o enclave palestino, o Comitê de Relações Públicas de Israel (AIPAC), um grupo de lobby pró-Israel, está reavivando a pressão sobre o governo dos EUA para “ficar inequivocamente com […] Israel.”
Katovich disse que as forças do lobby pró-Israel nos EUA são tremendamente influentes na promoção da aliança militar contínua entre os dois governos, acrescentando: “O lobby de Israel diz que seu principal objetivo é promover os interesses de Israel. E qual é o maior interesse de Israel se não sustentar uma ocupação militar sobre os palestinos? Portanto, Israel precisa do apoio dos EUA para continuar essa ocupação.”
Para Katovich, compreender para que contribuem os nossos dólares de contribuintes e investimentos financeiros pode ajudar a desmantelar os esforços imperialistas dos EUA: “É algo sobre o qual podemos ter controle comunitário de algumas maneiras, porque boa parte dos fundos públicos, os fundos da cidade e de aposentadoria estão investidas nessas empresas e financiam a maior máquina de guerra dos Estados Unidos. Portanto, se as pessoas soubesse disso e pudessem investigar e pesquisar isso, elas podem se mobilizar nas suas cidades para parar o investimento na guerra.”