Enquanto Joe Biden viaja à Europa, a visita da vice-presidente Kamala Harris à Guatemala e ao México (7 e 8 de junho) se concretiza em um contexto de forte crise migratória, reordenamento das políticas para combatê-la e alianças com o México e países da América Central, como estabeleceu o Secretário do Departamento de Estado, Anthony Blinken, em sua última viagem à Costa Rica. Os temas da visita foram a migração, a corrupção e o desenvolvimento regional.
Crise migratória e assistência para o desenvolvimento
Agências do governo de Biden calculam que aproximadamente 3.913 menores de idade foram separados de suas famílias entre 1 de julho de 2017 e janeiro de 2021. Esta cifra é menor que a apresentada pela União Estadunidense pelas Liberdades Civis (ACLU), que contabilizou 5.500 menores. De acordo com declarações do Homeland Security, a política migratória já não incluirá a separação de famílias.
No primeiro quadrimestre de 2021, mais de meio milhão de migrantes foram detidos tentando cruzar a fronteira rumo aos EUA. Em abril de 2021, mais de 20 mil menores continuavam sob custódia do Departamento de Estado, sendo a maioria da América Central.
Até agora foram identificadas três grandes diretrizes do governo estadunidense para lidar com a migração:
- Promoção da assistência para o desenvolvimento condicionada ao cumprimento de medidas anticorrupção e contribuições diretas às ONGs (para supostamente evitar que recursos sejam desviados);
- Potencializar a luta contra a corrupção. Pretende fortalecer as diversas promotorias dos países centro-americanos. O Congresso anunciou uma lei que enuncia uma lista de políticos corruptos, a lista Engel, que será apresentada até junho de 2021. Acrescenta-se o Memorando de Segurança Nacional, onde a luta contra a corrupção é estabelecida como um “interesse central de segurança nacional dos Estados Unidos (EUA)” e promoverá seu combate no exterior.
- Promoção dos investimentos privados. Dois think tanks estão vinculados a essas diretrizes: o Atlantic Council (promoção de investimentos) e o Council on Foreign Relations, que analisa a forma para implementar e manter a luta contra a corrupção na América Central.
Ajuda para o desenvolvimento
A administração Biden propôs um plano multianual de 4 bilhões de dólares: 310 milhões para a segurança alimentar, para salvar vidas e proteção às pessoas vulneráveis nas comunidades de toda a região. Isto inclui 255 milhões de dólares estadunidenses em ajuda humanitária para atender às necessidades imediatas. Além disso, inclui 28 milhões para programas na Costa Rica, no que consideram programas para migrantes venezuelanos.
Outorgaram financiamento que será canalizado pela Acción, Bancolombia, Chobani, Davivienda, Duolingo, a Harvard T.H. Chan School of Public Health, Mastercard, Microsoft, Nespresso, Pro Mujer, Tent Partnership for Refugees e o Foro Econômico Mundial.
Guatemala
A visita de Harris incluiu reuniões com o presidente Alejandro Giammattei, além de setores da sociedade civil e empresários. Esteve acompanhada do embaixador William Popp, de Juan González, assistente especial da Casa Branca, Ricardo Zúñiga, enviado especial da Casa Branca para o Triângulo Norte da América Central, que realizou três viagens à região para se reunir com líderes centro-americanos. Destaca-se a assistência para o desenvolvimento anunciada pela vice-presidente:
- 40 milhões de dólares para empoderar jovens, meninas indígenas e melhorar oportunidades educacionais e econômicas das mulheres;
- Empréstimo de garantia por 15 milhões de dólares ao Banco Internacional com o objetivo de aumentar os empréstimos a micro, pequenas e médias empresas;
- 48 milhões para a agroindústria. 6 milhões para um projeto agroalimentar com a Agro Atlantic financiado pela Corporação Financeira dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (DFC);
- 19,5 milhões de dólares para projetos de moradia.
Como parte da estratégia de segurança nacional de combate à corrupção e fortalecimento do Estado de direito, Harris destacou que a independência judicial e o respaldo à Procuradoria Contra a Impunidade (FECI) são necessários para a promoção do investimento, assim como o titular Juan Francisco Sandoval, que foi premiado pelos EUA em fevereiro de 2021.
Em continuidade com a política dos EUA para a América Central das últimas três administrações, foi anunciada a criação de uma “força especial” para ajudar a investigar o tráfico de pessoas nas fronteiras sul e norte da Guatemala, assim como investigações contra a corrupção e apoios à luta contra o narcotráfico. Este grupo especial estará integrado por agentes do Departamento do Tesouro, do Estado e da Justiça e incluirá a assessoria a ministérios públicos locais e a polícia guatemalteca.
México
Após várias reuniões de alto nível ao longo deste ano, a visita de Kamala Harris ao México concentrou-se na migração e na cooperação bilateral. Um memorando de entendimento de cooperação em assuntos migratórios foi assinado. O chanceler detalhou que o México pretende incluir e estender os programas sociais “Semeando Vidas” e “Jovens Construindo o Futuro” na América Central. Até agora, o acordo não inclui a alocação de recursos por parte dos EUA para esses programas.
Como na Guatemala, Harris realizou reuniões com mulheres empreendedoras e líderes do setor trabalhista, como parte da inclusão de acordos trabalhistas sob o Tratado entre o México, Estados Unidos e Canadá (TMEC) em que a assistência para o desenvolvimento terceirizou a assistência ao México para promover a “democracia sindical” e os compromissos bilaterais sob o TMEC.
Nos próximos três anos, os EUA investirão 130 milhões adicionais em assistência técnica e cooperação para a implementação da legislação trabalhista. Além disso, vários projetos foram anunciados:
- O Escritório de Assuntos Trabalhistas Internacionais do Departamento de Trabalho concedeu financiamento ao Vision Zero Fund (5 milhões), Partners of Americas (10 milhões), America Center for International Labor Solidarity (10 milhões) e Pan American Development Foundation (3 milhões) para a aplicação, preparação e assessoria em assuntos trabalhistas no México;
- Anúncio de um pacote de subsídios, empréstimos e compromissos para a região sul do país. O objetivo é criar novos investimentos e vendas por 250 milhões na agricultura e no ecoturismo;
- A Cooperação Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento dos EUA emitirá empréstimos para respaldar hipotecas e moradias acessíveis. A Agência de Comércio e Desenvolvimento dos EUA (USTDA) e o Departamento de Comércio organizarão missões comerciais e de desenvolvimento empresarial que apoiarão o desenvolvimento da infraestrutura no sul do México;
- Os EUA e o México trabalharão para expandir a capacidade forense. O Departamento de Estado, a USAID e o Departamento de Justiça continuarão capacitando técnicos de laboratório e a polícia para melhorar as habilidades na análise forense.
Também foi derrogada a política migratória de Trump que obrigava os requerentes de asilo a esperar no México pelas suas audiências em tribunais. O Partido Republicano criticou a medida como um “erro grave”. Foi estabelecido um grupo operativo especializado para combater o tráfico de drogas e de pessoas através de acordos de informação e inteligência compartilhada, com o objetivo – semelhante ao da Guatemala – de deter o tráfico de pessoas e diminuir o fluxo migratório.
Organizações como o Washington Office on Latin America (WOLA), Latin American Working Group, o Robert F. Kennedy Human Rights, o Centro por la Justicia y el Derecho Internacional e a Fundación para el Debido Proceso propuseram que na viagem também sejam abordados temas sobre Direitos Humanos e Estado de Direito, dois aspectos fundamentais na visão do establishment estadunidense para combater a corrupção.
Por último, o México receberá dos EUA um milhão de vacinas contra a Covid-19 da farmacêutica Johnson & Johnson, que é de dose única, no âmbito da iniciativa dos EUA para compartilhar 80 milhões de vacinas, das quais 6 milhões serão para a América Central e do Sul.
Um dos desafios da administração Biden é e será a migração e, sobretudo, se distanciar das políticas migratórias que militarizam fronteiras no México e na América Central. Nos primeiros meses, embora algumas políticas impostas por Trump tenham sido desmontadas, continua a tendência de conter a migração “em seus lugares de origem”, através de acordos bilaterais de contenção policial e militar. Nesse contexto, destaca-se o combate à corrupção como a grande estratégia que permitiria continuar a promoção de investimentos privados e assistência para o desenvolvimento, estratégias que, inclusive mitigando problemas em um curto prazo, contribuíram durante décadas para a manutenção de uma série de condições estruturais que acentuam a migração.