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Por que os EUA estão condenando Honduras por lutar contra a corrupção?

Criação do golpe de 2009 em Honduras, as ZEDEs são zonas especiais que constituem na prática cidades privadas que funcionam como prováveis antros de corrupção. A presidente Xiomara Castro recentemente revogou a lei que autoriza essas zonas, mas os EUA condenam a decisão.
Criação do golpe de 2009 em Honduras, as ZEDEs são zonas especiais que constituem na prática cidades privadas que funcionam como prováveis antros de corrupção. A presidente Xiomara Castro recentemente revogou a lei que autoriza essas zonas, mas os EUA condenam a decisão. Por Brett Heinz e Beth Geglia | CEPR – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
A vice-presidente estadunidense, Kamala Harris, ao lado da presidente de Honduras, Xiomara Castro, em janeiro de 2022. (Foto: Office of the Vice President of the United States)

A presidente de Honduras, Xiomara Castro, conquistou uma grande vitória para a democracia em seu país no começo deste ano, quando o Congresso revogou a lei de Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (ZEDEs). A lei possibilitava a criação de zonas especiais de governança, que têm “autonomia administrativa e funcional” em relação ao governo nacional. As zonas permitiam que investidores criassem seus próprios sistemas de governança, bem como regulações e tribunais, fornecendo espaço para experimentos de governos privatizados, com o fim de criar um “ambiente legal adequado […] para competitividade em nível internacional”.

Essa política era altamente controversa, e teve contra si a oposição dos sindicatos, camponeses, organizações indígenas e até dos maiores grupos empresariais hondurenhos. Como o próprio Departamento de Estado dos EUA descreveu, as zonas “eram amplamente impopulares, incluindo [para] boa parte do setor privado, e vistas como um vetor para a corrupção”. Quando a presidente Castro propôs a abolição dessa política, o Congresso hondurenho a revogou por unanimidade.

A administração Biden tem argumentado que a corrupção é uma das maiores barreiras para o desenvolvimento da América Central. A “Estratégia dos EUA para Endereçar as Causas da Migração da América Central”, formulada pelo governo Biden, promete “priorizar uma agenda anticorrupção […]”. Mas quando esse objetivo conflita com outros, como promover investimentos dos EUA, qual prevalece? Um relatório recente do Departamento de Estado criticando a presidente hondurenha por acabar com a lei das ZEDEs sugere que, para o Departamento de Estado, os interesses privados têm prioridade sobre a transparência pública.

“Compromisso com o Estado de Direito Comercial”

A agenda do governo Biden para a América Central é feita de forma ostensiva para responder às “raízes” dos problemas que levam à migração para os Estados Unidos. Mas a alta sujeição do plano em atrair investimentos privados de corporações multinacionais prejudica muitos dos seus objetivos mais explícitos. Ao ignorar a exploração corporativa da terra e dos trabalhadores como uma das “raízes” da migração, por exemplo, o plano da Casa Branca acaba por apoiar algumas das mesmas empresas que criam os problemas que o plano busca resolver.

Todo ano, o Departamento de Estado dos EUA lança suas “Declarações sobre o Clima para Investimentos” para países em todo mundo, identificando as políticas estrangeiras que são vistas como benéficas ou ruins para os interesses das companhias estadunidenses. Os relatórios servem como um sinal aos investidores, mas também ajudam a formatar as prioridades do governo dos EUA quando se trata da interação com outros países e com os diplomatas estadunidenses “trabalhando com países parceiros para resolver essas barreiras […]”.

A Declaração de 2022 sobre o Clima para Investimentos em Honduras é o primeiro relatório deste tipo para o país sob o governo da presidente Castro, que teve uma vitória esmagadora nas eleições do ano passado. Uma das chaves para o sucesso de sua coalizão foi a promessa de combater a corrupção desenfreada na política hondurenha, incorporada pelo ex-presidente Juan Orlando Hernández (“JOH”), que atualmente enfrenta acusações nos Estados Unidos por tráfico de drogas.

Quando Castro venceu as eleições presidenciais no ano passado, o Departamento de Estado dos EUA a parabenizou e declarou que ajudaria na “luta contra a corrupção”. No entanto, quando foi tratar da revogação da lei das ZEDEs, o Departamento de Estado a condenou em duros termos: “O governo [hondurenho] se expôs a responsabilidades potencialmente significativas e alimentou preocupações sobre o compromisso do governo com o estado de direito comercial”.

 Leia também – Honduras: a posse de Xiomara Castro 

O relatório critica Castro por ter eliminado essa lei impopular ao invés de “buscar reformas ou diálogo com os investidores das ZEDEs”. A decisão, segundo o Departamento de Estado, “contribuiu para [o crescimento] de incertezas sobre o compromisso do governo em relação à proteção de investimentos requerida pelos tratados internacionais”.

A condenação do governo estadunidense contradiz diretamente seus compromissos públicos anticorrupção. Apesar dos apoiadores das ZEDEs dizerem que a autonomia das zonas fornece alternativas para investidores hondurenhos e estrangeiros ao “corrupto” sistema legal hondurenho, o modelo na realidade combina a ausência de responsabilidade pública e conflitos de interesse com financiamento secreto, criando um ambiente perfeito para a corrupção.

As zonas são autorizadas a criar “sua própria polícia, bem como agências voltadas à investigação criminal, inteligência, indiciamento e […] um sistema penitenciário”. Essas agências privadas, no entanto, não têm a obrigação de compartilhar informações com os cidadãos locais e podem inclusive decidir limitar sua cooperação com as autoridades do governo hondurenho. Uma zona, chamada Ciudad Morazán, declarou que a polícia hondurenha não está autorizada a entrar no seu território “sem convite e supervisão”.

As próprias zonas são aprovadas e constituídas em segredo. O órgão formado em 2013 para acompanhar o desenvolvimento das ZEDEs, o Comitê para a Adoção das Melhores Práticas (CAMP), tem sido escrutinado por sua falta de transparência e sua natureza antidemocrática. Apesar do fato de os membros originais desse comitê internacional terem de ser aprovados pelo Congresso, o comitê pode mudar seus próprios membros sem nenhum tipo de vigilância ou fiscalização. Ninguém sabe quem atualmente o compõe, apesar de vários pedidos de divulgação feitos por acadêmicos e organizações da sociedade civil por meio das leis de acesso à informação. Uma lista de membros de 2013 inclui ex-membros do Grupo de Extensão de Ronald Reagan na América Central e atores problemáticos como Ebal Díaz, um ex-assessor do ex-presidente JOH que pode ter fugido recentemente do país para evitar uma investigação de corrupção.

O CAMP tem um poder desproporcional em Honduras. O Comitê aprovou três conhecidas zonas a portas fechadas, e o comitê ainda não publicou informações sobre outras zonas que estão sob consideração. Em regiões de baixa densidade populacional nas costas norte e sul de Honduras, o CAMP tem autoridade exclusiva para aprovar novas zonas; nenhum tipo de aprovação do Congresso é necessária para tal. O CAMP pode até intervir na formulação de políticas internas de uma zona e influenciar a seleção de seu líder, o “Secretário Técnico”. Enquanto isso, não há nada que impeça que membros do CAMP tenham também posições de poder nos governos das ZEDEs.

De fato, a corrupção é uma das principais razões pelas quais a política das ZEDEs foi estabelecida. Após o golpe de Estado de 2009 contra o marido de Xiomara Castro, o presidente Manuel Zelaya, o governo golpista de Honduras fez sua primeira tentativa de criar jurisdições especiais, entre vários motivos para agradar ricos investidores “libertários” dos EUA. Paul Romer, um economista vencedor do prêmio Nobel que ajudou a inspirar essa política, rapidamente se distanciou dela, citando preocupações em relação à falta de transparência.

A política, então conhecida como “Regiões Especiais de Desenvolvimento” (RED), rapidamente foi confrontada por grupos indígenas, afro-indígenas e camponeses por todo o país. Logo após, ela foi considerada inconstitucional pela Corte Suprema de Honduras. Em 2012, o Congresso hondurenho respondeu à decisão substituindo quatro dos cinco juízes da Suprema Corte. Com toda a oposição judicial eliminada, a lei, renomeada ZEDE, foi reintroduzida e incorporada formalmente à Constituição. Portanto, a própria aprovação das ZEDEs só foi possível pelo fato das elites hondurenhas terem dobrado a lei em benefício dos investidores.

Quem se beneficia?

A primeira destas zonas em Honduras, chamada “Próspera”, se tornou em pouco tempo um imã de controvérsias. Sua criação provocou a resistência de um vilarejo próximo, Crawfish Rock, onde o projeto passou a interferir em assuntos locais e no acesso à água. Mais recentemente, a zona passou a aceitar o Bitcoin como moeda, assim como feito no vizinho El Salvador. Apesar da zona de Próspera dizer que adere a padrões contra a lavagem de dinheiro, organizações como a Fitch Ratings e o Fundo Monetário Internacional avisaram que tal política poderia expandir as oportunidades de lavagem de dinheiro na zona.

Ilha de Roatán, em Honduras, onde a ZEDE “Próspera” está localizada. (Foto: John Colby)

Quem são os investidores por trás dessas zonas? Ninguém sabe com certeza. “Honduras Próspera, LLC” é uma marca subsidiária da NeWay Capital, uma firma de investimentos com sede em Washington, DC. O CEO da NeWay Capital, Erick Brimen, refere-se a si mesmo como “fundador e CEO da Próspera”, e é membro do Conselho de Administradores que governa a zona. Ele também sugeriu, em entrevista ao Financial Times, que o projeto da Próspera contou com o apoio da embaixada dos EUA.

Muitos dos membros do Conselho da Próspera e investidores estão associados ao movimento “libertário” de “cidades livres” e a movimentos conservadores em geral. Um dos investidores é a Pronomos Capital, um fundo dirigido pelo neto do economista Milton Friedman e apoiado pelo bilionário de extrema-direita Peter Thiel. Outro investidor é a Free Private Cities Inc., cujo CEO declarou em uma entrevista que a Próspera pode selecionar as pessoas que entram na zona: o governo privado “se reserva o direito de não aceitar criminosos sérios, comunistas e islamistas”.

Apesar da revogação da lei que autorizava a existência das ZEDEs, elas ainda estão operando. O governo hondurenho insiste em que se reorganizem para seguir os padrões legais usados ​​por outras zonas econômicas especiais, mas a Próspera sugeriu que os ignorará. A empresa aproveitou o relatório do Departamento de Estado dos EUA para alegar que não precisa mudar nada, argumentando que “a revogação das ZEDEs não pode ser interpretada legalmente como a eliminação das ZEDEs existentes”. Mesmo derrotados, esses territórios privados se recusam a reconhecer a autoridade superior do governo hondurenho.

Responsabilidade e democracia devem vir antes

Ao condenar a revogação da lei das ZEDEs, o Departamento de Estado continua a colocar os interesses do empresariado estadunidense acima de suas próprias intenções declaradas para a América Central. De fato, tal postura revela uma lealdade ao “estado de direito comercial” em detrimento do estado democrático de direito. Ao priorizar firmas de investimento sediadas nos EUA como a NeWay Capital no lugar de princípios básicos de transparência, responsabilidade e governança democrática participativa, o governo dos EUA está colaborando com os problemas que atormentam a região.

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Em um país onde a corrupção já está impregnada, zonas governamentais privadas com fluxos de caixa opacos e pouca supervisão podem servir como terreno fértil para o jogo sujo. Se a administração Biden fala sério quando trata de combater as raízes que causam a migração forçada da América Central e genuinamente quer apoiar a democracia constitucional na região, ela deveria reconhecer o fim das ZEDEs como um passo positivo.

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