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Para derrubar o presidente

A derrubada do presidente não é somente uma possibilidade, mas uma probabilidade tangível, que se concretizaria caso alguma força se empenhasse para tanto.
por Pedro Marin | Revista Opera – (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
A presidenta Dilma Rousseff acompanhado do então vice, Michel Temer, da sua filha Paula Rousseff (de vermelho) e de Marcela Temer (esposa de Michel Temer) durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Edward Nicolae Luttwak é um auto-proclamado “grande estrategista” norte-americano. Aos 74 anos, o consultor militar, cientista político e historiador – apelidado por uma matéria do The Guardian como o “Maquiavel de Maryland” – oferece serviços de consultoria estratégica a clientes como o presidente mexicano, Dalai Lama e o Departamento de Estado norte-americano.

O ex-conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, diz que trata-se de uma figura que “quase sempre merece ser ouvida.” O historiador Eric Hobsbawm diz que “suspeita-se que, como Maquiavel, ele goste da verdade não só porque é verdade, mas porque choca os ingênuos.” Merril McPeak, ex-chefe de gabinete da força aérea norte-americana, declara que Luttwak é “muito mais esperto que [o estrategista e teórico da guerra do século 18, autor de ‘Da Guerra’,] Clausewitz.”

Seu livro “Golpe de Estado – um manual prático”, escrito quando tinha somente 26 anos, se tornou um clássico da estratégia – foi traduzido para mais de 16 línguas em todo o mundo. Nele, Luttwak lista fatores temporários para a realização de um golpe de estado: a severa e prolongada crise econômica; a instabilidade crônica do sistema multipartidário; uma guerra longa e malsucedida ou uma derrota muito relevante, seja militar ou diplomática.

Chama atenção que dois dos três fatores pairavam sobre nosso país quando da derrubada de Dilma Roussef. Deveria chamar ainda mais atenção que estes fatores se mantenham sob (ou sobre, como uma espada) o governo Temer – e que talvez tenham se agravado ainda mais. A derrubada do presidente, portanto, não é somente uma possibilidade, mas uma probabilidade tangível, que se concretizaria, sem dúvidas, caso alguma força política se empenhasse para tanto.

Nosso lado tem razões para fazê-lo, mas tem se mantido, nos melhores casos, inerte (apesar de não minar o governo, também não o fortalece) e, nos piores, disposto ao acordo (o governo se fortalece duplamente; mina a oposição e engrossa sua carapaça de legitimidade, além de desposar tais setores como traidores frente aos descontentes).

Nesse processo no qual o governo nos adormece, no entanto, as concessões não devem ser demasiadamente grandes – caso contrário, acordará contra si outros setores (talvez mais poderosos, inclusive). Alguns rebateriam essa tese dizendo que seria imprudente derrubar Temer por conceder – esquecem, no entanto, que há setores poderosos que se beneficiariam do caos resultante, antes de tudo porque criariam situações nas quais a brutalidade se torna mais aceitável, contanto que reforce, posteriormente, a sensação de estabilidade.

De forma similar, por meio de uma aparente contradição, os EUA têm imposto a guerra civil a diversos países ao longo da história. Apoiam grupos opositores que depois tornam-se seus inimigos públicos, processo que gerará não só lucros por meio da guerra, como também pela reconstrução; são grupos que fortalecem o governo norte-americano não só lutando contra os rivais geopolíticos do país (como o Irã, a Rússia ou a Síria de Bashar Al-Assad), mas também à medida que possibilitam uma centralização do poder interno nos Estados Unidos, em função da guerra. O complexo industrial-militar e o partido da guerra criam um ciclo de retro-alimentação: buscam mais poder para promover mais guerras, promovem mais guerras para adquirir mais poder.

Alguém consideraria prudente, afinal de contas, que se apoiassem forças jihadistas contra os soviéticos, que depois se tornariam, pelo menos parcialmente, inimigos dos Estados Unidos, como foi o caso de Osama Bin Laden? – De fato, trata-se de uma imprudência; mas assim é feita a política. O mesmo ocorreu na Síria, onde efetivamente vimos facções como aquelas reunidas entorno de Hillary Clinton apostando na política de caos e crise, apoiando terroristas para depois o grupo terrorista de Al-Baghadadi (que se chama de “Estado Islâmico”) ocupar lugar privilegiado nas preocupações de todos.

Desta forma, o movimento popular brasileiro é dirigido hoje, majoritariamente, por duas classes de oportunistas: a primeira, disposta a conceder ao governo ou por interesses pessoais e burocráticos, ou em troca de micro-concessões do governo – e assim abrem caminho para, 1 – o fortalecimento do governo, no caso de suas concessões não serem grandes demais, 2 – o fortalecimento ou movimentação de setores ainda mais radicalmente reacionários, no caso de serem.

Aos que desejam tomar o poder em suas próprias mãos, e não simplesmente derrubar o governo, poderia-se dizer que essa primeira classe é a mais perigosa. Mas há ainda uma segunda classe de oportunistas: os inertes. Se é verdade que estes não fortalecem, a curto prazo, o governo e as forças reacionárias, é também verdade que enfraquecem e prejudicam qualquer possibilidade de pressão de baixo contra ele. Além do mais, por terem pretensões eleitorais, no caso de vitória neste campo, apenas postergam uma próxima investida reacionária (ou pior: dão a ela nova face) e, no caso de derrota, concedem a tal investida o manto da legitimidade do poder quando, na realidade, este foi completamente extinto do país em 2016.

[button color=”” size=”” type=”square” target=”_blank” link=”https://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2017/06/05/golpe-e-guerra-ou-sobre-as-diretas-ja/”]Leia também: Golpe é guerra (ou sobre as diretas já)[/button]

Mas Luttwak nos dá outra lição fundamental: a de que a concretização de um golpe de estado depende primariamente da inação frente a ele. “Tudo o que se exige a fim de apoiar o golpe é, simplesmente, não fazer nada – e isto é o que geralmente será feito. Assim, em todos os níveis, o que mais provavelmente ocorrerá após um golpe será a aceitação: pelas massas e escalões mais baixos da burocracia porque não possuem vínculos com qualquer um dos lados; pelos escalões mais altos da burocracia devido aos grandes perigos de qualquer oposição isolada. Essa falta de reação é a chave da vitória do golpe […]”

Nesse sentido, é sintomático que somente em abril deste ano tenhamos tido uma greve geral – mais sintomático ainda; que a última greve geral tenha sido um fracasso, em função de ambas as classes de oportunistas citados. É também sintomático que nenhuma ação espetacular tenha sido feita quando Dilma foi, para o deleite reacionário, derrubada. Propostas do tipo existiam em alguns setores do Poder, dizem alguns – mas foram vetadas. Neste caso, ao menos ficaria evidente às massas, tão desconectadas da política institucional, que algo foi alterado em maio de 2016.

Portanto não é por razão moral, sequer por considerações acerca do que traz ou não maiores benefícios pontuais (ou menores malefícios) a nosso povo que digo, como já disse anteriormente, que a única saída é avançar sem restrições; pouco importando se este movimento será tímido e desordenado a princípio ou não. Dizem alguns que o que se propõe é arriscado; é fato. É o risco da queda no assalto aos céus contra o de viver com os joelhos pregados à terra.

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