Uma confraria esquisita tem somado forças frente à balbúrdia que o senhor Jair Bolsonaro faz ecoar do Palácio do Planalto nos últimos dias.
Primeiro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), classificou como “inaceitável” as declarações do presidente sobre o pai do atual presidente da OAB, Fernando Augusto Santa Cruz, desaparecido sob o regime militar em 1974. “Não posso silenciar diante desse fato. Eu sou filho de um deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e vivi o exílio com meu pai, que perdeu quase tudo na vida em 10 anos de exílio pela ditadura militar”, disse o tucano, que garantiu que “não tem alinhamento” com o governo Bolsonaro.
Depois, foi a vez do presidente da Câmara, Rodrigo Maia – aquele que, como escrevi no começo do mês, parecia querer acenar ao País sua candidatura a representante preferencial da burguesia. Depois de um encontro de “distensionamento” com Bolsonaro pela manhã, ocasião na qual o presidente, relata a Folha, tentou explicar, um tanto de joelhos, sua declaração sobre Augusto Santa Cruz, Maia publicou na internet um vídeo em que defende o direito ao sigilo da fonte do site The Intercept Brasil, que tem publicado mensagens vazadas da Lava Jato. O vídeo conta ainda com críticas um tanto quanto veladas à Lava Jato, e foi divulgado na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, durante ato em defesa do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept. A tensão do vídeo deve ter caído muito mau no estômago do presidente, empanturrado daquele café da manhã de “distensionamento.”
O Partido Novo, de João Amoedo, também se juntou aos críticos, ao lado inclusive de Janaína Paschoal (PSL), que considerou a fala de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB como “absolutamente desnecessária.”
Salta aos olhos que Doria, o governador que se elegeu sob o mote “BolsoDoria” esteja tomando posição – não sabia o governador, “filho de um deputado cassado”, que o presidente tinha paixões pela ditadura militar? O mesmo vale para Amoedo e Paschoal; descobriram agora o barbarismo de Bolsonaro?
Rodrigo Maia, de corte mais pragmático, escapa um tanto à hipocrisia – afinal, tem se pintado já há algum tempo de “democrático”, “centrista”, “moderado” e defensor das instituições. Mas é aí que vemos surgir, talvez no lugar da hipocrisia, talvez junto dela, a perversidade: é que trata-se da moderação democrático-centrista das instituições que aprovam e deixam avançar a Reforma da Previdência contra nosso povo.
A miscelânea hipócrita tem feito surgir, também em setores da esquerda, certos resmungos e palavras de ordem. “Tudo tem limite”, “nada é pior que Bolsonaro”, e por fim o tão aguardado “Fora Bolsonaro.” Golpes contra a já baixa popularidade do presidente, desferidos por seus antigos aliados, de mãos dadas com seus verdadeiros inimigos, divulgadas pelos conglomerados de mídia, em campanha. Será que foi só agora que pudemos ver a face do mal? Nos apegávamos a um certo odor de rosas que subia da carne putrefata que ocupa a cadeira presidencial? Não é nada disso.
Voltemos à aprovação da Reforma da Previdência. Eu dizia: “Ela [a reforma] é o anel de diamantes de Bolsonaro. É pelo reluzente presente, trabalho do ourives Paulo Guedes, que a burguesia de nosso país – um puxadinho do capital financeiro norte-americano – apostou no tolo ex-capitão que hoje ocupa a cadeira presidencial. Hoje. […] Daí que, reforma entrega, Bolsonaro, muito mais do que receber entusiástico apoio, passa a ser visto como descartável. Maia já acenou. A Lava Jato vai se esvaziando. O STF ganha poder, é verdade. Mas, como André Ortega levantou em seu último artigo, efetivamente quem tem capacidade de assumir uma postura Executiva? Acima de tudo, se nenhum dos atores se comprometer com os outros, quem tem adequados meios para fazer os outros se curvarem? Chegam os militares, aos poucos, mas não de fininho.”
É assim que, encampada por interesses desconhecidos – de um Doria, de um Amoedo, de um Maia, ou seriam daquelas “forças ocultas” da qual falou Jânio Quadros? – vai se rascunhando a tão esperada e inútil “frente ampla”. Amplíssima, como aquela Anistia em 1979 – ambas, ao que parece, coligadas dos militares.
E ressoam as vozes: “tudo tem limite” – o limite só chegou agora?; “nada é pior do que o Bolsonaro” – já olharam à redoma verde oliva que o cerca e ao seu vice-presidente?; “fora Bolsonaro”; e depois, o que?
Não é necessário que estejamos corretos em todas as nossas previsões para que o horizonte seja de todo sombrio. Basta que duas de suas observações sejam verdadeiras: 1 – que os militares desejam o poder e que tenham se aproximado deste governo por desejá-lo e que 2 – que, por sua posição ímpar, tenham uma condição privilegiada frente às outras forças políticas e instituições. Voltamos a perguntar: “Fora Bolsonaro” – e depois, o que? Quem assume?
Sem a certeza de que poderá efetivamente ter a força necessária para definir os rumos do País após uma queda do Bolsonaro, forças de esquerda vão respondendo ao imobilismo que marcou a derrubada de Dilma Rousseff, agora pisando no acelerador, fechando os olhos ao que veem à frente e, para completar, deixando o volante nas mãos de qualquer um. Bem-vindos à caravana da frente ampla. O destino é Brasília – a questão é quem chega lá e quem fica pelo caminho.