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O FED, um banco central global?

Mudanças relevantes na política do FED em tempos de pandemia apontam para uma transformação do banco central dos EUA em uma espécie de banqueiro global.
por Jameson Mencías e Guillermo Oglietti | CELAG – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Imagem: Estúdio Gauche)

O acesso às reservas em dólar tornou-se um gargalo para os países que precisam enfrentar os custos de saúde e a atual crise econômica causada pela pandemia de Covid-19.

Um dos mecanismos mais utilizados para obter reservas no curto prazo, as operações de recompra (REPO) – que consistem no Banco Central oferecendo títulos soberanos como garantia para obter moeda estrangeira – desapareceram, na prática, com a retirada do setor financeiro nessas operações. Essa lacuna está sendo preenchida, pelo menos marginalmente, por uma nova política do banco central dos EUA, o Federal Reserve (FED), emissor da moeda de reserva do sistema. Esses passos pequenos, porém estratégicos, que o FED está tomando, levantam grandes questões, pois podem envolver uma reconfiguração do sistema monetário internacional.

Criação de instrumentos de recompra REPO FIMA pelo FED

Em 31 de março de 2020, o Federal Reserve criou um novo mecanismo de liquidez chamado REPO FIMA (Foreign International Moneraty Authorities – Autoridades Monetárias Estrangeiras Internacionais). O instrumento é destinado a bancos centrais ou autoridades monetárias de países que detêm títulos do tesouro dos Estados Unidos no FED de Nova York.

O instrumento consiste no FED entregar dólares aos bancos centrais e receber, em troca, os títulos do Tesouro dos EUA que esses bancos tenham entre seus ativos.

O instrumento provê liquidez em dólares aos países, com o FED comprando temporariamente esses títulos do Tesouro que servem de garantia, com o compromisso de que posteriormente esses serão recomprados pelos bancos centrais quando vencidos.

Quer dizer, o instrumento evita que os países vendam esses títulos no mercado financeiro, algo conveniente para os interesses dos EUA em sua tentativa de estabilizar os mercados financeiros e evitar a queda do preço dos títulos e o aumento concomitante de taxas de juros.

A denominação em dólar e a salvaguarda de 100% das garantias pelos títulos do Tesouro minimizam o risco a zero, de modo que o acesso à liquidez estaria limitado unicamente às reservas internacionais dos países em títulos do Tesouro dos EUA.

A taxa de juros das operações do FIMA REPO está 0,25% acima da taxa de reserva excedente do FED (0,1% atualmente).

A intervenção dos bancos locais dos países que acessam essa facilidade se daria através dos bancos centrais, que proveriam os mesmos com liquidez. Em Hong Kong, por exemplo, a autoridade monetária anunciou em 22 de abril que utilizará a linha FIMA REPO no valor de 10 bilhões de dólares em dinheiro. Esta quantidade estaria destinada a prover de liquidez os bancos com uma taxa igual à do FED, canalizando os recursos e transferindo o custo aos bancos locais.

Operações SWAP de moedas

Diferentemente das operações REPO, onde a contrapartida é uma determinada quantidade de títulos do Tesouro, as operações SWAP têm como contrapartida a própria moeda do país com o qual se realiza o câmbio. É um intercâmbio de moedas.

O FED vem mantendo acordos SWAP com um grupo exclusivo de contrapartes (Canadá, Japão, União Monetária Europeia, Reino Unido e Suíça). Mas lançou uma linha SWAP de transição com a Austrália, Dinamarca, Coreia do Sul, Noruega, Nova Zelândia, Cingapura, Suécia e os dois maiores países de nossa região: México e Brasil.

Os SWAPs são instrumentos altamente seletivos em termos geopolíticos. Apenas dois países emergentes participam e são parceiros comerciais gigantes dos EUA: México e Brasil.

O desenvolvimento desses instrumentos visa impedir que o fluxo de pagamentos com parceiros comerciais seja cortado. Os valores envolvidos na troca de moedas são muito significativos. São cerca de 60 bilhões de dólares para cada uma dessas contrapartes: Austrália, Brasil, Coreia, México, Cingapura e Suécia e 30 bilhões para cada um dos seguintes países: Noruega, Dinamarca e Nova Zelândia.

O debate

Os economistas americanos são de opinião que o uso do SWAP deve ser estendido para beneficiar muitos outros países afetados pela escassez de divisas (Eichgreen). Para muitos, embora essas medidas sejam mornas e insuficientes, elas representam um primeiro passo: o do FED assumindo o papel de Banco Central global ou credor global de último recurso.

Conclusões

O instrumento financeiro REPO é limitado em seu escopo: ele beneficia apenas bancos centrais que possuem títulos do Tesouro e na medida em que possuem. Está longe de ser um instrumento que contribui para a liquidez necessária dos países em desenvolvimento e apenas os aliviaria da tarefa de vender esses títulos nos mercados financeiros ilíquidos e avessos ao risco no momento. Está longe de ser uma contribuição marginal dos Estados Unidos para um sistema monetário global que é incapaz de gerar recursos para enfrentar as crises econômicas e de saúde.

É uma medida projetada, acima de tudo, para evitar vendas em massa pelo preço de equilíbrio desses títulos e, assim, estabilizar o mercado de títulos do Tesouro (mantendo baixas as taxas de juros nessa economia). Segundo o think-tank CSIS, “claramente o instrumento preserva o interesse dos Estados Unidos”.

O uso do SWAP, por outro lado, mostra uma mudança relevante na política do FED, um novo papel como banqueiro global. De qualquer forma, atualmente, essa política é limitada porque se atém apenas aos interesses comerciais e geopolíticos dos Estados Unidos, deixando de lado a maior parte dos países subdesenvolvidos, que são os que mais urgentemente necessitam obter financiamento internacional. As motivações dos EUA parecem estar diretamente relacionadas ao interesse próprio: estabilizar seu mercado de dívida, manter as taxas de juros baixas, evitar o colapso dos fluxos comerciais com seus principais parceiros e, finalmente, exercer uma liderança monetária responsável em sua área de influência geopolítica.

Notas:

[1] O Equador pagou aproximadamente 700 milhões de dólares em pagamentos no meio da pandemia de Covid-19 (março de 2020) por uma operação REPO realizada em 2018 devido à perda de valor de seus títulos soberanos 2022, 2023, 2026.

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