O 11 de agosto, data que marca a comemoração da fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), neste ano inclui as bandeiras da defesa da democracia, para uns, e das liberdades democráticas, para outros. A diferença em termos é relevante: os primeiros defendem o “estado democrático de direito” em absoluto e consideram que a democracia é substância onipresente no País, somente colocada parcialmente em risco pelas ações do presidente Jair Bolsonaro e dos generais. Os outros denunciam a inexistência de democracia para as maiorias, pleiteando, no entanto, a necessidade de defender as poucas liberdades políticas conquistadas desde a redemocratização. Há quem, no meio do caminho, diga que há democracia política, mas não social e econômica; concepção curiosa, que prevê como sagrado o direito ao voto, mas para aqueles que não morram de fome ou numa operação policial qualquer.
Uns assinaram, divulgaram e fizeram a leitura pública de cartas. Os outros mobilizaram atos de rua. Faltou povo àqueles, o que era esperado; mas faltou também a estes, o que é trágico.
Em São Paulo, o ato de leitura dos manifestos “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, organizada por juristas, e a carta “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, assinada por empresários, mobilizou considerável multidão na Faculdade de Direito da USP, incluindo partidos, movimentos sociais e entidades sindicais e estudantis. O ato do Dia do Estudante, convocado para o fim da tarde, na Avenida Paulista, não teve sequer tal adesão. O bloco das organizações radicais, formado por organizações como o Movimento Esquerda Socialista (MES-PSOL), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido da Causa Operária (PCO), Unidade Popular (UP), e anarquistas e autonomistas teve a mesma grandeza do bloco de organizações maiores, como o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) – este, justiça se faça, o mais volumosa dentre estes últimos. Esse fato, por óbvio, não é prova de um crescimento vertiginoso das organizações do campo radical, mas demonstração da falta de disposição à mobilização daquelas mais moderadas. A pequenez dos atos se repetiu em outras capitais, como Porto Alegre (RS), Recife (PE) e Brasília (DF).
É um péssimo sinal. Para setembro, já se prevê a divisão das forças populares em dois atos: no dia 7, o tradicional Grito dos Excluídos; no dia 10, outra mobilização, convocada, ao menos formalmente, pela baixa mobilização no ano anterior em comparação ao bolsonarismo e pelo risco de enfrentamentos. Os mobilizados no dia 7 comparecerão também no dia 10? Os do dia 10, também no dia 7? Se o que se teme são enfrentamentos que partam do bolsonarismo, qual é o sentido de se desmobilizar? Acaso os bolsonaristas não poderão fazer provocações independente de terem suas mobilizações marcadas para o mesmo dia, tal como nos casos do drone que jogou fezes e urina num evento de Lula em Uberlândia (MG), a “bomba de fezes” no Rio de Janeiro e o mais trágico assassinato do militante petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu (PR)? Se o problema é a medida comparativa entre dois atos antagonistas num mesmo dia, não contribui para que a comparação nos seja ainda mais desfavorável o fato de nos dividirmos em duas datas?
O que os atos de ontem indicam é que se repete este ano aquela indisposição às mobilizações por parte da centro-esquerda, prevalecente no ano passado e em 2016. Sendo este o caso, significa que ou não levam a sério os próprios brados sobre golpismo – e portanto, além de oportunistas, são irresponsáveis, e sequer deveriam assinar quaisquer cartas – ou que crêem simplesmente que as cartas de setores dominantes bastem contra o golpismo – o que é simplesmente negligência.
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Que fique claro: não é estritamente necessário, na conjuntura atual, optar entre atos de juristas e empresários, os crentes no Estado de direito, e os das organizações populares, denunciantes da exceção permanente adornada em normalidade e da tentativa de seu aprofundamento. Não se trata de sectarismo. Que uns se manifestem em defesa da democracia, mesmo que em seus termos; ótimo. Mas que se opte pelo afago a estes em detrimento à luta ao lado dos outros é simplesmente um convite à autodestruição. O prova o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016: não houve ali pronunciamentos em defesa da democracia por parte da FIESP e da FEBRABAN. Mas houve disposição de luta (até esta desmobilizada!) por parte das organizações populares. O resultado conhecemos, e combatemos hoje: com cartas, uns; com atos, outros.