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Editorial: no segundo turno, quatro anos em jogo

Trata-se de escolher a possibilidade de lutar contra as ameaças ou dar a elas o poderio completo sobre o Estado; entre optar por uma sigla em que o perigo militar encontra caminhos ou outra em que ele é cabeça de chapa e vice.

(Foto: Maí Yandara / Mídia NINJA)

No próximo domingo (30), o Brasil escolherá e conhecerá seu novo presidente. Até lá, as perspectivas de tranquilidade e terror vão marcando o compasso de muitos corações: cabeças que planejam, ao mesmo tempo, uma festança pujante para um dos resultados, e uma saída do país, um arrumar desesperado de malas, para outro. Os sentimentos, as preocupações e os planos vão todos se acomodando entre as finas paredes das margens de erro do que será, muito provavelmente, a eleição mais apertada desde a redemocratização.

Mesmo que com o compreensível sofrimento que abate militantes, amigos e leitores nestas eleições, é ainda uma forma bastante confortável de ver as coisas, em especial em um país em que 33 milhões passam fome, com a qual é impossível comemorar e da qual é inviável correr. Mas não é só de cunho moral a rejeição desta Revista Opera deste clima de ansiedade: é de cunho estratégico.

Se o mais improvável se confirmar e Bolsonaro for reeleito, sem dúvidas teremos anos sombrios pela frente. Mas tampouco há um clarão dourado nos esperando atrás dos montes no caso do mais provável ocorrer e Lula ser eleito o novo presidente do país.

A esta altura, é quase certo que Bolsonaro não aceitará sua derrota, se as urnas a confirmarem. Como temos insistido já há muito tempo, o presidente terá então 63 dias para estimular o caos pelo País. Os tiros de fuzil e arremessos de granada de Roberto Jefferson contra policiais federais nesta semana são uma demonstração tímida do que pode vir adiante. Derrotado, Bolsonaro poderia impor, pela força de suas bases, os termos de sua saída. Os gritos crescentes de “censura” por parte do TSE e a fábula montada sobre a distribuição de propaganda eleitoral em rádios compõem a cena.

Numa tal situação, como também temos insistido, é óbvio que as Forças Armadas tornam-se um fator chave. Mesmo que não se mobilizem numa aventura golpista – cenário improvável por ser, estrategicamente, a opção mais arriscada – a iniciativa de reprimir a desordem cairia-lhes no colo. Em tal cenário, se tornariam os soberanos, isto é, aqueles a quem cabe a decisão.

Se materializaria assim, com clareza, a relação de complementariedade contraditória entre o capitão-presidente e os generais: o caos do atual presidente lhe possibilitando condições de negociação, mas também as abrindo ao Partido Fardado.

É isso que o futuro nos reserva? Esta pergunta, realmente, não importa. O que importa é que este é o cenário colocado; esta é a ameaça disponível para Bolsonaro e os generais balançarem, ainda que somente para negociar. Os 63 dias que separam 30 de outubro de 2022 de 1 de janeiro de 2023 podem transcorrer sob a mais mansa calmaria nas ruas, contanto que as negociações avancem nos bastidores sem muitas tensões.

O leitor poderá talvez crer se tratar somente de uma hipótese, um chute, um palpite, mais ou menos provável. Não poderá negar, no entanto, que este é o cenário desenhado desde há muito pelo atual governo e seus generais. E deverá no mínimo desconfiar do silêncio que as Forças Armadas fazem sobre o tema das urnas, depois de tanta gritaria com a qual reivindicaram a sua própria auditoria sobre as eleições. No último dia 18, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, determinou que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas informassem, afinal, o que apuraram no primeiro turno das eleições, que por sinal resultaram na eleição do general Pazuello para a Câmara dos Deputados e do general Mourão para o Senado. O prazo era de 48 horas. Os generais negaram-se a informar o que apuraram ao TSE e à sociedade brasileira, dizendo que só poderiam fazê-lo 30 dias após todas as oito etapas de sua apuração estarem completas. Para quando prevêem o fim da última etapa? Para o dia 5 de janeiro de 2023.

Segundo informa a CNN, parte das negociações de fato já começaram. Segundo o que disseram generais da ativa ao veículo, “militares de alta patente têm defendido a indicação de um civil de perfil moderado para o comando do Ministério da Defesa em uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Os nomes citados seriam os do candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin, do PSB, o do ex-ministro Aldo Rebello, do PDT, e o do ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB. Outros nomes, não mencionados, mas que não seriam nada mal para os generais são Etchegoyen, Nelson Jobim e Jacques Wagner. Também de acordo com a matéria, em conversas com a campanha petista, os generais estariam falando de “cláusulas pétreas” para os militares: “elas incluem a manutenção da regra de aposentadoria para militares da ativa, o currículo atual das escolas militares, o regime de progressão na carreira militar e os direitos e deveres previstos na Constituição Federal no artigo 142.”

Dando perfeita clareza à questão: se Bolsonaro for derrotado, terá 63 dias para incendiar o país. Num tal cenário, as Forças Armadas, mesmo que não ajudassem a espalhar o fogo, seriam responsáveis por apagá-lo. Estas mesmas Forças Armadas, que impuseram ao país uma auditoria própria das eleições, silenciam agora sobre o que apuraram, dizendo que só poderão fazê-lo após o dia 5 de janeiro de 2023 – quatro dias após a posse presidencial. Enquanto isso, generais da ativa tentam impor um ministro da Defesa alinhado a seus interesses, e de antemão estabelecem como fora de cogitação qualquer reforma que pudesse arranhar mesmo que superficialmente a posição de soberanos que têm atualmente, e com a qual impõem tais condições.

 Leia também – Três erros de avaliação sobre os militares 

Partamos do pressuposto de que tudo corra bem neste quesito, e que esta questão seja “superada”, como gostam de dizer os versados no jargão militar. Além do que se convencionou chamar de “politização dos quartéis”, os resultados eleitorais já dão prova da continuação de situação que já descrevemos antes como “quartelização da política”: um levantamento do Instituto Sou da Paz contou cinco candidatos advindos das Forças Armadas eleitos para a Câmara: Hélio Lopes, subtenente do Exército (PL-RJ); Pazuello, general do Exército (PL-RJ); Girão, general da reserva do Exército (PL-RN); Chrisóstomo, coronel do Exército (PL-RO); Zucco, tenente do Exército (Republicanos-RS). Além de dois senadores: Hamilton Mourão, general da reserva do Exército (Republicanos-RS); e Marcos Pontes, tenente-coronel da FAB (PL-SP). Isso para não falar em policiais militares, membros das forças auxiliares das Forças Armadas, segundo aquele mesmo artigo 142 que os generais tanto querem preservar. Servirão, no mínimo, como componentes ativas do lobby militar sobre o governo, banhadas de uma certa legitimidade.

Deixando de lado por um momento o Partido Fardado, há de se recordar as condições difíceis que Lula enfrentará caso eleito. Por um lado, terá que compor com um Congresso que não lhe favorece. Por outro, impedir traições entre aqueles antigos inimigos, hoje aliados, que pululam na frente ampla. A campanha petista assegurou que houvesse muitos deles, mas podemos nos concentrar no mais óbvio, como exemplo: Geraldo Alckmin. É necessário, além de todos os poréns que a figura cativa, recordar do papel que o então governador teve em 2013. As Jornadas de Junho, que completarão uma década no ano que vem, só se nacionalizaram de fato e tomaram o caráter reacionário com a qual se desenvolveram após a Polícia Militar paulista, controlada por Alckmin, promover desarrazoada repressão contra as manifestações, no dia 13 de junho de 2013. Não foi desarrazoada pela sua violência, característica comum a toda repressão policial. A truculência teve outro caráter: não só repórteres de grandes veículos foram feridos, como sobejaram atos de violência auto-impostos pela polícia, tal qual quebradeiras de viaturas realizadas por policiais fardados. Esta brutalidade foi o que permitiu que a imprensa, que no dia anterior atacava os manifestantes e os descrevia como vândalos, pedindo por uma “retomada da Paulista” e esperando “a hora do basta”, mudasse de posição em bloco no dia seguinte. A face mais clara da operação midiática foi a de Arnaldo Jabor, no Jornal da Globo, que predicando que os manifestantes não passavam de vândalos de classe média numa semana, na seguinte formularia o que se tornou o mote das manifestações dali em diante: “Não é só por 20 centavos”. Também foi Jabor o responsável por levar às ruas os gritos contra a PEC 37, embora poucos então conhecessem o Projeto de Emenda suficientemente bem para explicar suas razões. Nada disto teria sido possível sem Alckmin.

Curiosamente, este é o companheiro que muitos dos mais ferrenhos críticos das Jornadas de Junho insistem em apresentar como um “democrata”; “um direitista, mas não um traidor”. Haverão de se surpreender, se ao vice apresentar-se alguma oportunidade – talvez não seja acaso que o Partido Fardado o imagine como ministro da Defesa.

Todo este amargor, esta crítica, estas recordações, não colocam esta revista, frente ao dia 30 de outubro, na inútil posição de olhar para o caos de cima do muro. Neste segundo turno das eleições, declaramos apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, para a presidência, e para Fernando Haddad para o governo de São Paulo. Trata-se de escolher a possibilidade de lutar contra as ameaças ou dar a elas o poderio completo sobre o Estado; entre optar por uma sigla em que o perigo militar encontra caminhos ou outra em que ele é cabeça de chapa e vice; entre manter os olhos sobre os gatunos ou não poder escapar deles, nem de olhos fechados. 

São quatro anos de governo em jogo? Não diríamos tanto, já que a própria manutenção do governo deverá ser tema de combate. São quatro anos de luta em jogo. Trata-se de decidir em quais termos este combate se iniciará e se desenvolverá pelo período. Mas haverá de ter luta, e muita. Festa magnífica ou fuga desesperada, no dia 30? Nem uma, nem outra, aconteça o que acontecer.

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