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O 1% mais rico acumula quase o dobro da riqueza do resto do mundo

Para cada dólar arrecadado em impostos no mundo, apenas quatro centavos vêm da tributação da riqueza, mas super ricos ficaram com metade da riqueza gerada na última década.
Para cada dólar arrecadado em impostos no mundo, apenas quatro centavos vêm da tributação da riqueza, mas super ricos ficaram com metade da riqueza gerada na última década. Por Isabella Arria | CLAE – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Alisdare Hickson)

O mundo vive pela primeira vez, em ¼ de século, o aumento simultâneo da riqueza e da pobreza extremas: os 1% mais ricos acumularam quase ⅔ da riqueza gerada globalmente desde 2020 (42 trilhões de dólares), quase o dobro dos restantes 99% da humanidade.

Durante a última década, os super ricos ficaram com 50% da nova riqueza gerada, e sua fortuna cresceu a um ritmo de 2,7 bilhões de dólares por dia, enquanto mais de 1,7 bilhões de trabalhadores e trabalhadoras vivem em países nos quais a inflação cresce mais do que seus salários. Aplicar impostos maiores aos super ricos e às grandes empresas é uma saída às múltiplas crises que o mundo enfrenta atualmente, de acordo com um novo informe da ONG Oxfam intitulado “A ‘sobrevivência’ do mais rico”.

O documento, lançado quando se iniciava o Fórum Econômico de Davos, revela o quadro de extrema desigualdade que o mundo vive, com o 1% mais rico acumulando cerca de 50% da nova riqueza gerada, e destaca que com a aplicação de um imposto à riqueza de até 5% sobre os multimilionários e bilionários, se poderia coletar 1,7 trilhões de dólares anualmente, o que permitiria que 2 bilhões de pessoas saíssem da pobreza.

Na América Latina e Caribe, a riqueza de seus multimilionários aumentou 21%, cinco vezes mais rapidamente que o produto interno bruto (PIB) da região, que aumentou em 3,9%, enquanto 12 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema devido à crise desencadeada pela pandemia e 30 milionários aumentavam tanto as suas fortunas que se convertiam em super ricos. “Nossa resposta à pandemia criou 400 mil pessoas em extrema pobreza para cada novo super rico”, destaca o informe.

Ao menos 1,7 bilhões de trabalhadores e trabalhadoras vivem em países onde o crescimento da inflação se situa acima do de seus salários, e mais de 820 milhões de pessoas em todo o mundo (uma em cada dez) passam fome. As mulheres e meninas geralmente comem por último e menos, respondendo por 60% dos famintos do mundo. Segundo o Banco Mundial, é o maior aumento na desigualdade entre países e na pobreza desde a Segunda Guerra Mundial.

As elites econômicas e políticas que se reuniram na estação de esqui suíça em Davos o fizeram em um contexto no qual a riqueza e a pobreza extremas no mundo aumentaram simultaneamente pela primeira vez em 25 anos.

“Enquanto as pessoas comuns fazem sacrifícios diários em questões essenciais, como alimentos, os super ricos superaram inclusive seus sonhos mais ousados. Após só dois anos, a década atual já se perfila como a melhor, até o momento, para os bilionários: uma década dourada de bonança econômica para os mais ricos do mundo”, afirma Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam Internacional. “Aplicar mais impostos aos super ricos e às grandes empresas é a porta de saída para as múltiplas crises que enfrentamos atualmente. É hora de derrubar o mito de que os benefícios fiscais para os mais ricos terminarão de alguma forma beneficiando o resto. 40 anos de reduções fiscais para os super ricos demonstraram que as ondas de privilégio acabam beneficiando somente eles”, disse.

Desde 2020, com a pandemia e a crise do custo de vida, o 1% mais rico acumulou 26 trilhões de dólares (63% da nova riqueza gerada), enquanto que somente 16 trilhões de dólares (37%) chegaram ao resto da população mundial. Para cada dólar da nova riqueza mundial recebida por alguém que pertença aos 90% mais pobres da humanidade, um bilionário embolsa 1,7 milhões de dólares.

O crescimento extraordinário em setores como os de energia e alimentação disparou os níveis de riqueza dos mais ricos. São 95 grandes empresas de energia e alimentação que ao menos dobraram seus lucros em 2022, com ganhos extraordinários de 306 bilhões de dólares, e que destinaram 275 bilhões de dólares (84%) deste montante para remunerar seus ricos acionistas.

A Oxfam destaca que a dinastia familiar Walton, proprietária de 50% da multinacional Walmart, recebeu 8,5 bilhões de dólares em dividendos somente no ano passado. Em 2022, a riqueza do bilionário indiano Gautam Adani, proprietário de grandes companhias de energia, aumentou em 42 bilhões de dólares (46%). A Oxfam alerta ainda que na Austrália, Reino Unido e Estados Unidos estes enormes ganhos empresariais contribuíram para um mínimo de 50% no crescimento da inflação.

Países na bancarrota

Países inteiros se encontram à beira da falência. Os mais pobres destinam quatro vezes mais recursos ao serviço da dívida (nas mãos de ricos credores) que aos serviços de saúde pública. Três de cada quatro governos do mundo planejam cortar gastos públicos num valor total de 7,8 trilhões de dólares por meio da aplicação de medidas de austeridade durante os próximos cinco anos, o que inclui os setores de saúde e educação.

A Oxfam pede aumentos sistemáticos e abrangentes na tributação dos super ricos para compensar parte dos enormes lucros que eles acumularam durante a crise, em grande medida gerados a partir dos planos de estímulo fiscal, com a injeção de fundos públicos e seu uso voraz no mercado.

Décadas de cortes na tributação e privilégios fiscais para as grandes fortunas e empresas foram cúmplices no aumento da desigualdade, de tal maneira que, na prática, em muitos dos países, pessoas com rendas mais baixas acabam pagando impostos efetivos mais altos do que os bilionários.

Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo, pagou uma “taxa de imposto real” de cerca de 3% entre 2014 e 2018. Enquanto isso, Aber Christine, uma vendedora de farinha em Uganda, paga 40% de seu faturamento em impostos, ganhando apenas 80 dólares por mês, diz o relatório “A ‘sobrevivência’ do mais rico”

Para cada dólar arrecadado em impostos no mundo, apenas quatro centavos vêm da tributação da riqueza. Metade dos bilionários do mundo vive em países que não aplicam nenhum imposto sobre a herança que passam para seus descendentes diretos.

Portanto, cinco trilhões de dólares irão, isentos de impostos, para seus respectivos herdeiros; uma quantia que supera o PIB da África e que perpetuará uma nova geração de elites aristocráticas. A maior parte da renda das pessoas mais ricas não é derivada de seu trabalho, mas sim da renda de capital sobre seus ativos. No entanto, o imposto sobre os rendimentos do capital é de cerca de 18%, metade das taxas sobre os rendimentos marginais do trabalho.

Os impostos aplicáveis aos mais ricos já foram historicamente muito mais altos. Durante os últimos 40 anos, governos da África, Ásia, Europa e Américas foram reduzindo as alíquotas de impostos sobre os rendimentos mais altos, enquanto elevaram os impostos sobre consumo de bens e serviços, que recaem de forma desproporcional sobre os que têm menos e aumentam as desigualdades de gênero.

“Tributar mais os super ricos é um requisito estratégico para reduzir a desigualdade e revigorar a democracia. Devemos fazê-lo para promover a inovação. Para conseguir serviços públicos mais fortes e construir sociedades mais saudáveis e felizes. Também para enfrentar a crise climática, investindo em soluções que combatam as escandalosas emissões de carbono dos mais ricos”, afirmou Bucher.

Segundo uma análise desenvolvido pela Fight Inequality Alliance, o Institute for Policy Studies, Patriotic Millionaires e a Oxfam, um imposto sobre o patrimônio com uma escala progressiva de até 5% sobre as fortunas multimilionárias e bilionárias geraria 1,7 bilhões de dólares de ingressos anuais. 

Com esses ingressos seria possível conseguir que dois bilhões de pessoas saíssem da pobreza, bem como financiar totalmente a resposta aos desastres humanitários existentes, implementar um plano de dez anos para acabar com a fome no mundo, apoiar os países mais pobres para lidar com os impactos climáticos e garantir serviços de saúde universais e proteção social para a população de países de renda baixa e média-baixa.

A Oxfam insta os governos a aplicar impostos solidários de caráter temporário sobre a riqueza e os lucros inesperados de grandes corporações que geram recursos suficientes, impedindo que alguns se aproveitem das crises.

Da mesma forma, aumentar sistematicamente as alíquotas do imposto de renda do 1% mais rico, por exemplo, para alcançar a tributação efetiva de 60% calculada sobre todos os seus rendimentos (tanto do trabalho como do capital), com alíquotas mais elevadas para os multimilionários e bilionários. Os governos devem elevar a tributação sobre as rendas e ganhos de capital que normalmente têm tributação mais vantajosa que outras formas de ingresso, de acordo com a ONG.

A Oxfam pede ainda por uma tributação da riqueza do 1% mais rico, com alíquotas de impostos altas o suficiente para reduzir a enorme concentração de riqueza e o número de super ricos, gerando assim uma maior redistribuição econômica. Isso significaria um pacote tributário que tributasse tanto a habitação quanto a terra, bem como as heranças e sucessões ou o patrimônio líquido das pessoas.

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