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Peru: Dina Boluarte e Keiko Fujimori, um casamento de conveniência

Presidente peruana, que assumiu após golpe contra Castillo, teve sua vida facilitada pelo fujimorismo até aqui, mas pacto tende a se romper à medida que eleições se aproximam.
Presidente peruana, que assumiu após golpe contra Castillo, teve sua vida facilitada pelo fujimorismo até aqui, mas pacto tende a se romper à medida que eleições se aproxima. Por Sergio Pascual | CELAG – Tradução de Pedro Marin
Presidente do Peru, Dina Boluarte, participa de uma cerimônia da Marinha peruana. (Foto: Flickr/Presidencia Perú)

Em 7 de dezembro de 2022, o Congresso peruano deu um golpe de Estado e destituiu o presidente constitucional Pedro Castillo do cargo. Naquele dia, o fujimorismo liderou o processo de destituição de Castillo e expressou inequivocamente seu apoio à pessoa que seria nomeada presidente, ou seja, Dina Boluarte, vice-presidente e eleita pelo partido esquerdista Peru Libre.

No mesmo dia, a própria Keiko Fujimori – herdeira do líder golpista Alberto Fujimori e líder do Força Popular, o partido fujimorista – manifestou seu apoio a Boluarte pelo Twitter: “este não é um momento para ideologias, nem para direita ou esquerda. Presidente Boluarte, nós lhe desejamos sucesso na formação de um governo de unidade nacional”.

Por que a líder do fujimorismo estava apoiando explicitamente uma liderança que deveria estar do lado oposto? A resposta foi revelada nos seis meses seguintes, durante os quais a aliança entre o fujimorismo – que lidera a maioria no Congresso – e Boluarte foi explicitada.

Já em fevereiro de 2023 – com mais de 60 pessoas mortas no Peru como resultado da repressão do governo aos protestos contra a destituição de Castillo – a presidente Boluarte e Fujimori se encontraram no Palácio do Governo em uma reunião que descreveram como “ampla, longa e sincera”. Dias depois, o porta-voz do Força Popular no Congresso enfatizou o apoio do fujimorismo à Boluarte, indicando que manteria seu apoio enquanto “ela não fizesse nenhuma mudança”. E assim foi feito. O fujimorismo encabeçou a aliança de direita de 66 deputados – um a mais do que a maioria absoluta no Congresso peruano – composta pelas legendas Força Popular (24 deputados), Renovación Popular (nove deputados), Acción Popular (14 deputados), Avanza País (nove deputados) e Alianza Para el Progreso (10 deputados), que garantiu à Boluarte o apoio do legislativo.

Com esse apoio, quando a proposta de questionar o primeiro-ministro Alberto Otárola por sua responsabilidade nos massacres de Ayacucho e Juliaca chegou ao Congresso, em 9 de março, foi o Força Popular que defendeu o primeiro-ministro com seus votos.

Em mais duas ocasiões, a maioria conservadora no Congresso salvou os ministros de Boluarte de serem questionados. Na primeira, o ministro da Educação, Becerra, foi poupado em março, depois de chamar de “animais” as mulheres aymaras que levaram seus filhos para as marchas. No segundo, em maio, a ministra da Saúde, Rosa Gutiérrez, foi poupada de denúncias por ter viajado aos Estados Unidos em meio ao desastre humanitário causado pelas chuvas e pelo ciclone Yaku.

Também em maio, enquanto o Peru passava por uma crise diplomática com os governos da Colômbia e do México, Fujimori foi quem mais ativamente saiu em defesa de Boluarte: “se eu tiver que decidir entre apoiar López Obrador e Petro ou Dina Boluarte, com certeza apoiarei aquela que chegou à Presidência legal e constitucionalmente. Esse é o papel que todos nós temos que desempenhar como peruanos”, publicou Keiko no Twitter.

Talvez a expressão mais formal do apoio do fujimorismo à Boluarte tenha ocorrido em 9 de junho, quando o Congresso aprovou uma reforma legislativa que permitiria a presidente viajar para fora do país – algo que o Congresso sistematicamente negou a Castillo – e, além disso, continuar a governar telematicamente.

Em troca do apoio de Boluarte, o fujimorismo estendeu sua presença e influência definitivas sobre os vários Ministérios do governo, viu o aparato policial-militar peruano – que é simpático ao fujimorismo – ser fortalecido e, talvez, a contrapartida mais clara ainda esteja por vir: o fortalecimento do controle do Tribunal Constitucional, cuja renovação foi aberta em 28 de abril com o objetivo de facilitar a nomeação de um novo magistrado próximo a Fujimori.

A verdade é que, até agora, a aliança entre Boluarte e Fujimori parecia ser forte e lucrativa para ambas as partes. Entretanto, na terça-feira, 13 de junho, o Força Popular anunciou uma mudança de atitude em relação ao governo de Dina Boluarte. Dois dias depois, em 15 de junho, Keiko Fujimori deu substância a essa posição ao exigir mudanças em várias pastas do governo de Boluarte: Saúde, Agricultura, Interior, Energia e Minas.

Apenas um dia depois, veio a renúncia do Ministro da Saúde, o primeiro a ter uma interpelação no Congresso no horizonte.

O que estava acontecendo? A resposta veio alguns dias depois, quando Fujimori reabriu publicamente o debate sobre sua possível candidatura à Presidência do Peru. Esse é o elemento-chave para entender o suposto ataque à Boluarte. Fujimori, na corrida eleitoral, teria percebido o custo de seu apoio a ela estaria tentando reforçar seu controle sobre o governo para que o custo fosse compensado, ou, por outro lado, romper os laços com Boluarte para chegar livre nas próximas eleições.

A bola está no campo de Boluarte, que sabe que, sem o apoio do fujimorismo, não só os seus dias como presidente estão contados, como também uma espada de Dâmocles (prisão) paira sobre o seu futuro. De qualquer forma, Boluarte entrará para a história como a mulher genocida efêmera que é: a única coisa que lhe resta resolver é se ela pode adiar seu fim entregando as cabeças de seus ministros a Fujimori ou apressar seu próprio final.

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