Os Estados Unidos são o epicentro das atividades de lavagem de dinheiro do narcotráfico, como demonstram diversos documentos oficiais de governos, inclusive o norte-americano.
Em primeiro lugar, os relatórios intitulados “Avaliação Nacional do Risco de Lavagem de Dinheiro de 2024”, “Avaliação Nacional do Risco de Financiamento do Terrorismo de 2024” e “Avaliação Nacional do Risco de Financiamento da Proliferação de 2024”, divulgados pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, admitem vulnerabilidades na prevenção da lavagem de dinheiro vinculada ao narcotráfico no país.
Em segundo lugar, o “Relatório Anual 2023-2024 da Fintrac (Financial Transactions and Reports Analysis Centre of Canada)”, vinculado ao governo canadense, aborda elementos centrais sobre as atividades de lavagem e legitimação de capitais do crime e do terrorismo, descrevendo métodos e estratégias dessas práticas nos Estados Unidos.
Em terceiro lugar, o documento “Avaliação Nacional da Ameaça das Drogas 2025”, publicado pela Administração para o Controle de Drogas (DEA, na sigla em inglês), vinculada ao governo norte-americano, descreve em detalhes a existência de um ecossistema financeiro ilegal que se sobrepõe ao sistema financeiro formal do país, facilitando a legitimação de capitais provenientes do tráfico de drogas.
Por fim, o “Relatório Mundial sobre Drogas de 2024”, publicado pela Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC), complementa esse panorama — com dados adicionais retirados do relatório correspondente ao ano de 2011.
Dados sobre o volume anual das atividades de lavagem de dinheiro
A lavagem de capitais derivados do narcotráfico é um dos pilares da economia dos Estados Unidos. Segundo estimativas da ONUDC, o comércio global de drogas ilícitas gera entre 426 e 652 bilhões de dólares por ano em lucros ilícitos.
Cerca de 20% a 30% dos fluxos ilícitos globais são lavados nos Estados Unidos e estão diretamente associados ao narcotráfico. Esse dado indica que o país é o principal beneficiário mundial da lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de drogas.
O Departamento do Tesouro estima que aproximadamente 300 bilhões de dólares sejam lavados anualmente — incluindo todas as atividades criminosas —, com o narcotráfico contribuindo de forma desproporcional para esse total.
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O aumento da lavagem de dinheiro nos Estados Unidos está ligado ao boom do fentanil, droga vendida no varejo por meio de complexas redes de distribuição dentro do próprio território americano.
Esses fundos não apenas perpetuam a violência e a corrupção, mas também financiam outras atividades criminosas, como o tráfico de pessoas e o terrorismo. O montante de dinheiro lavado equivale a cerca de 2,7% do PIB dos EUA, valor correspondente a metade do orçamento nacional destinado à educação.
De acordo com a ONUDC, cerca de 100 bilhões de dólares provenientes da cocaína são lavados anualmente nos Estados Unidos. A agência também estima que 60 bilhões de dólares ao ano sejam legitimados através da rede de lucros gerada apenas pelo fentanil e outras drogas sintéticas e opioides.
O mercado de maconha legal e ilegal no país movimenta mais de 40 bilhões de dólares por ano. Parte significativa dos capitais gerados pela maconha ilegal se infiltra no sistema financeiro da mesma forma que o produto ilícito se mistura com o legal. Assim, cerca de 15 bilhões de dólares gerados pela maconha ilegal podem circular legitimamente na economia americana.
Os dados desagregados sugerem que o valor total lavado pelo narcotráfico nos Estados Unidos oscila entre 150 e 190 bilhões de dólares por ano. Entre 2020 e 2024, cerca de 312 bilhões de dólares foram canalizados pelas chamadas “redes chinesas” — estruturas financeiras e fundos de capital com sede na Ásia, interconectados a bancos norte-americanos. O Tesouro e sua Rede de Combate a Crimes Financeiros (FinCEN) omitiram o papel das instituições financeiras americanas nesse maciço fluxo de capitais.
Apesar de entre 20% e 30% dos recursos ilícitos do narcotráfico mundial serem lavados nos Estados Unidos a cada ano, em 2024 o país conseguiu interceptar apenas 1,4 bilhão de dólares em operações relacionadas ao fentanil.
Embora as estimativas não sejam precisas, esse valor representa apenas entre 0,7% e 1,2% do total estimado de capitais lavados no país. Isso evidencia que, em 2024, os EUA não conseguiram detectar movimentações significativas no interior de suas próprias instituições bancárias.
O Wachovia Bank – atualmente Wells Fargo –, o HSBC e o TD Bank foram multados por envolvimento em esquemas de lavagem de dinheiro provenientes de diversas atividades ilegais, incluindo o tráfico de drogas.
Entre 2004 e 2007, o Wachovia lavou 378 bilhões de dólares. O banco pagou uma multa de 160 milhões de dólares e foi adquirido em 2007 pelo Wells Fargo. Em 2024, o TD Bank firmou um acordo privado para pagar 1,3 bilhão de dólares ao Departamento de Justiça dos EUA por lavagem de dinheiro, segundo dados da FinCEN.
A ONUDC já admitiu, em relatórios como o de 2011, que mais de 90% dos capitais lavados globalmente pelo narcotráfico não são detectados nem confiscados — estatística que também se aplica aos Estados Unidos.
A extensa rede de relações econômicas do narcotráfico nos EUA
Nos Estados Unidos, um quilo de fentanil custa cerca de 30 mil dólares. Após ser fracionado para venda no varejo, esse mesmo quilo pode gerar até 32 milhões de dólares, segundo a revista Forbes.
Como a droga entra no país por meio da importação, as organizações criminosas obtêm lucros iniciais com a venda por quilo, mas o varejo — altamente lucrativo — se desenvolve internamente, alimentando uma ampla rede que conecta traficantes, intermediários e consumidores.
A DEA omite deliberadamente essa realidade. Em seu relatório “Avaliação Nacional da Ameaça das Drogas 2025”, afirma que “a venda de drogas ilícitas gera bilhões de dólares em lucros para as Organizações Criminosas Transnacionais (OCT) e outras redes globais”, sem reconhecer explicitamente a presença dessas redes em solo americano.
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Mesmo assim, a agência admite a existência de “organizações de lavagem de dinheiro” dentro do país, que movimentam bilhões de dólares por ano por meio de sistemas paralelos ao ecossistema financeiro formal. O relatório menciona fundos de investimento asiáticos, criptomoedas, contas-espelho e contas bancárias convencionais baseadas em capitais lavados oriundos do tráfico de drogas.
O Departamento do Tesouro também reconhece essas organizações e descreve metodologias empregadas na lavagem de dinheiro:
“Os criminosos utilizam técnicas tradicionais e inovadoras para movimentar e ocultar ganhos ilícitos, promovendo atividades que prejudicam os americanos. Os crimes que mais geram ganhos lavados nos Estados Unidos continuam sendo a fraude, o tráfico de drogas, o crime cibernético, o tráfico de pessoas e a corrupção. O país ainda enfrenta riscos persistentes e emergentes de lavagem relacionados a: (1) uso indevido de pessoas jurídicas; (2) falta de transparência em transações imobiliárias; (3) ausência de cobertura integral das normas de combate à lavagem (AML/CFT) em certos setores, especialmente entre consultores de investimento; (4) profissionais cúmplices que abusam de suas funções; e (5) falhas de supervisão em algumas instituições financeiras regulamentadas.”
Tanto o Tesouro quanto a DEA admitem que os métodos digitais de movimentação financeira estão se equiparando ao uso de dinheiro vivo entre operadores criminosos. Em 2023, foram confiscados apenas 17 milhões de dólares em espécie, e em 2024, 30 milhões — uma fração minúscula dos “bilhões de dólares” que circulam na economia do narcotráfico americano.
Em outras palavras, em 2024, os Estados Unidos apreenderam em dinheiro proveniente do narcotráfico o equivalente a 0,1% do total estimado lavado em seu território.
Atores e métodos
Fundos de investimento e setor imobiliário
Vários fundos de investimento têm sido utilizados para legalizar capitais ilícitos, especialmente em atividades ligadas ao setor imobiliário. Segundo o Departamento do Tesouro, a compra e venda de imóveis é o principal mecanismo de lavagem de dinheiro nos Estados Unidos.
Entre 20% e 30% das transações imobiliárias residenciais no país são feitas em dinheiro vivo, e o próprio Tesouro reconhece não ter um número preciso.
Nos EUA, são vendidas cerca de 4 milhões de casas por ano. Considerando que 25% delas são compradas em dinheiro e o preço médio é de 600 mil dólares, isso representa 600 bilhões de dólares movimentados anualmente no mercado imobiliário — parte significativa proveniente de atividades ilegais, incluindo o tráfico de drogas.
Lavadores de dinheiro frequentemente inflam ou subavaliam o preço dos imóveis em notas fiscais para justificar transferências de fundos ilícitos ou movimentar dinheiro através das fronteiras — prática comum em esquemas de lavagem baseada no comércio vinculados ao narcotráfico.
Agentes imobiliários, advogados, notários e funcionários de bancos costumam facilitar essas operações em troca de subornos. Um exemplo é o de um agente hipotecário em Tampa, que lavou mais de 21,5 milhões de dólares em fundos do tráfico por meio de cheques bancários usados na compra de imóveis.
Compras de luxo
A aquisição de imóveis de alto valor, sobretudo em Nova York, Miami e Los Angeles, é um método recorrente de lavagem, pois permite legitimar grandes somas em uma única transação. Esses bens são frequentemente adquiridos por meio de fundos fiduciários ou empresas de fachada, nacionais ou estrangeiras, que ocultam a origem dos recursos.
O Departamento do Tesouro, contudo, não divulga estimativas oficiais sobre o volume de capitais lavados por meio dessas estruturas.
Cassinos e hotéis
Segundo o Tesouro, Las Vegas e Atlantic City, conhecidas por seus cassinos, são áreas altamente vulneráveis à lavagem de dinheiro oriunda do narcotráfico.
Os cassinos são suscetíveis a esse tipo de crime por causa da alta circulação de dinheiro vivo, das transações anônimas e da facilidade de converter fundos ilícitos em ativos aparentemente legítimos.
A lavagem ocorre principalmente nas fases de inserção — quando o dinheiro sujo entra no sistema — e estratificação — quando sua origem é ocultada —, até ser integrada ao sistema financeiro como lucro “legal”.
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Lavadores de dinheiro ligados ao narcotráfico compram fichas de jogo com dinheiro vivo, fazem apostas mínimas (ou nenhuma) e depois trocam as fichas por cheques do cassino, transferências bancárias ou dinheiro “limpo”, apresentando os ganhos como legítimos.
Fundos ilícitos também são lavados por meio de apostas esportivas (online ou presenciais) e máquinas caça-níqueis, que geram recibos usados como prova de renda legal.
Em cassinos com múltiplos serviços — como hotéis e restaurantes —, é comum o uso de “transferências intrapropriedade”, movimentando recursos entre contas internas para mascarar sua origem.
Nem o Departamento do Tesouro nem a DEA divulgaram estimativas sobre os valores lavados em cassinos norte-americanos, o que evidencia opacidade nesse setor.
Operações bancárias
O Tesouro e a DEA consolidaram dados sobre Relatórios de Atividade Suspeita (SARs), que registram movimentações possivelmente ligadas ao crime.
No caso específico do fentanil, 57% dos relatórios se baseiam em operações bancárias convencionais, realizadas em instituições financeiras legalmente estabelecidas nos Estados Unidos.
Isso significa que, de cada 100 investigações sobre fentanil, 57 envolvem bancos tradicionais, enquanto 43 dizem respeito a operações em dinheiro vivo ou criptoativos.
Os dados indicam que a maioria dos pagamentos relacionados ao fentanil ocorre dentro do sistema bancário americano, permitindo que fornecedores e intermediários movimentem receitas ilícitas com pouca restrição.
Em 2024, o Tesouro identificou 1.246 contas bancárias com atividades suspeitas ligadas ao fentanil, totalizando 1,4 bilhão de dólares em transações — montante equivalente ao preço de apenas 44 quilos de fentanil no varejo, segundo a Forbes.
Durante todo o ano de 2024, as agências de segurança dos EUA apreenderam cerca de 10 mil quilos de fentanil. Contudo, o governo ainda não apresentou uma estimativa confiável do volume real que circula no país — valor que pode ser oito vezes maior que o apreendido.
Outro dado que evidencia as falhas na política americana de combate à lavagem vem do Fintrac, do Canadá. Em parceria com a Unidade de Inteligência Financeira do México, a agência investigou 5 mil contas bancárias suspeitas em 2023-2024 — um desempenho muito superior ao das autoridades americanas, apesar de estas contarem com infraestrutura, recursos e tecnologia muito mais robustos.
Os números sugerem que os Estados Unidos ou são deliberadamente ineficientes ou o país desenvolvido menos eficaz no combate à lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico.






































