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A importância da Bolívia na nova estratégia dos EUA no continente

A Bolívia, governada por Evo Morales, constituia uma pedra no sapato do retorno à Doutrina Monroe por parte dos EUA no continente.
por Pedro Marin | Revista Opera
(Montagem de Estúdio Gauche sobre foto de Kremlin.ru)

A política externa do governo Barack Obama teve uma característica clara: escalar a confrontação com os seus rivais do tabuleiro global nas proximidades de seus territórios ou em territórios distantes dos Estados Unidos. Três casos tiveram papel especial neste sentido: a guerra na Síria, o golpe na Ucrânia e a pressão contínua sobre a República Popular Democrática da Coreia (RPDC).

A Síria tem importância estratégica para a Rússia. Além de ser um dos principais importadores de armas do país, ela abriga a Base Naval russa de Tartus, um ponto estratégico no Mar Mediterrâneo, com acesso a importantes países europeus (Itália, Espanha, Grécia) e a países como Israel e Turquia. Manter a estabilidade do país é fundamental para a Rússia, e a busca por uma mudança de regime no país, por parte dos Estados Unidos, foi brutalmente frustrada, ainda que a guerra não tenha acabado.

A Ucrânia, por sua vez, faz fronteira direta com a Rússia. Com um governo mais ou menos alinhado a Moscou, liderado por Viktor Yanukovich, e representante de uma visão plural para o país – que incluía os russos étnicos e falantes de russo – o país representava uma lacuna na muralha de países ligados à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que circundam a Rússia. Em 2014, um golpe derrubou Yanukovich, e preencheu essa lacuna. Mas a chegada ao leste do país do governo recém empossado foi frustrada pelo estalar de uma série de rebeliões nos departamentos de Lugansk e Donetsk, que jogaram o país em uma guerra civil, bem como o controle da Crimeia – região com importância estratégica e comercial muito grande, devido a seu porto – onde um referendo garantiu a anexação da região à Federação Russa.

Por fim, os esforços de tensionamento contra a RPDC, país que serve como “zona tampão” para Rússia e China – isto é, bloqueia o acesso às suas fronteiras das 20 mil tropas norte-americanas estacionadas na Coreia do Sul – também foram frustrados.

A despeito dos avanços contra a Rússia, ficou patente, ao fim do governo Obama, que a estratégia não estava sendo frutífera. Enquanto um esforço dispendioso era feito, muitas vezes frustrado por Moscou, a China seguia se expandindo, em especial do ponto de vista econômico. Uma mudança estratégica era necessária, começou a ser aplicada, e foi ainda mais acelerada pelo governo Trump.

Essa mudança é inspirada na chamada “Doutrina Monroe” ou “política do big-stick“. Anunciada em 1823 pelo então presidente norte-americano James Monroe, a Doutrina Monroe consistia em fazer frente às tentativas de países europeus em expandir seu controle sobre a América Latina, considerada, sob suas ideias, um “protetorado norte-americano”, por se tratar de uma área estratégica para o país.

Essa mudança foi acentuada: em 2013, o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, declarou publicamente o fim da Doutrina Monroe. Cinco anos depois, o novo Secretário de Estado, Rex Tillerson, dizia também publicamente: a Doutrina era “claramente um sucesso […] tão relevante hoje como no dia em que foi escrita”. Ela também estava bem presente no dicionário do Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, que declarou: “Nessa administração nós não temos medo de usar a frase ‘Doutrina Monroe’ […] Tem sido o objetivo de presidentes desde Ronald Reagan ter um hemisfério completamente democrático.”

Em uma declaração sobre a situação na Bolívia, emitida hoje, o presidente Donald Trump declara: “A renúncia ontem do presidente boliviano Evo Morales é um momento significante para a democracia no hemisfério ocidental. […] Esses eventos enviam um forte sinal aos regimes ilegítimos da Venezuela e da Nicarágua de que a democracia e a vontade do povo sempre prevalecerá. Nós estamos um passo mais perto de um hemisfério ocidental completamente democrático, próspero e livre.”

Como escrevi em outubro, a Bolívia é um território-chave do continente. No meio dele, o país faz fronteira com Brasil, Paraguai, Chile, Peru e Argentina, além de ser lar da Cordilheira dos Andes, que divide o continente a leste e a oeste, e das bacias dos rios Amazonas e Prata, que desenham uma divisão norte-sul. O país tem grande importância estratégica, dizia o professor de História do Brasil na Universidade de Creighton, Lewis Tambs: “quem controla Santa Cruz comanda Charcas. Quem controla Charcas comanda o Heartland [Coração da Terra em tradução livre]. Quem controla o Heartland comanda a América do Sul.”

Além disso, o país tem especial importância para a Rússia e a China. 21% de suas importações vêm do país asiático (enquanto só 7,5% vêm dos Estados Unidos). De 2000 a 2014, o comércio bilateral entre China e Bolívia cresceu de 75 milhões de dólares para 2,25 bilhões, e o país asiático se tornou também o principal credor dos bolivianos. As relações com a Rússia, em especial nos setor energético, também vinham crescendo. As parcerias incluíam até a construção de uma usina nuclear em El Alto, segunda maior cidade do país, onde, no momento, milhares de manifestantes se levantam contra o golpe de estado em marcha.

A Bolívia, portanto, é fundamental aos interesses dos Estados Unidos no continente não só pela sua importância geopolítica e geoestratégica natural, mas também porque, sob controle de um novo governo, alinhado aos Estados Unidos, ela pode sair da zona de influência russa e chinesa. Além disso, os Estados Unidos de fato ficam “um passo mais próximos” de consolidar seus planos na Venezuela e Nicarágua, que, apesar do falatório, naturalmente não incluem – como é demonstrado pelas sangrentas ações dos golpistas na Bolívia – nenhuma essência “democrática”, nem busca, para os nossos povos, nenhum tipo de prosperidade e liberdade. Constituem, sim, uma base, um protetorado, um quintal onde manobram um conflito global.

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