Aos afortunados que ainda têm direitos trabalhistas, domingo é, via de regra, dia de descanso. No judaísmo, e também em algumas denominações cristãs influenciadas por ele, é o sábado, o Shabat, que é guardado. Entre os muçulmanos há a Khutba, na sexta-feira. Mas em boa parte do mundo o domingo se consolidou, a partir da tradição cristã, como dia de descanso.
Talvez para compensar os dias de semana, o último domingo foi agitado em Brasília. Às vésperas da eleição para a presidência da Câmara, a Comissão Executiva Nacional do Democratas (DEM) decidiu por não entrar no bloco em apoio ao deputado Baleia Rossi (MDB) para a liderança da Casa. A decisão ressoou no PSDB, que reagiu decidindo não compor o bloco. E, em cascata, a água fria caiu em Rodrigo Maia (DEM), que vinha se mobilizando arduamente nas últimas semanas para eleger Baleia como seu sucessor e derrotar Arthur Lira (PP), candidato do presidente Jair Bolsonaro.
Os jornais noticiaram então que Maia, a despeito de ter ficado por meses sentado confortavelmente sobre mais de 50 pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro, lembrou enfurecido ontem, um domingo, que teria um último dia à frente da presidência da Casa, e que poderia convenientemente fazer do seu ato derradeiro a assinatura de um dos papéis. Para que um processo de impeachment seja analisado por uma comissão especial, que pode autorizá-lo a prosseguir, só basta afinal a canetada do presidente da Casa.
A ameaça do impeachment e suas circunstâncias não são um balde de água fria nos partidos de esquerda e centro-esquerda que vinham compondo com Maia. São um balde de lama. Insistentemente, o que vimos nas últimas semanas foi a argumentação apaixonada em defesa da candidatura de Baleia, que, operada por Maia, garantiria um padrão mínimo de razoabilidade republicana e democrática, um grande desafio a Bolsonaro e outras sandices. “Política de gente grande, não política de DCE”, era o que diziam alguns. De fato, política de gente grande – uma pena que no jogo do DEM, PSDB e Maia, a “oposição” de esquerda seja gente tão pequena.
A despeito de todas as lições e reviravoltas, o movimento de Maia é muito sábio, e revela virtú. O atual presidente da Câmara sabe que a abertura de um processo de impeachment significaria o travamento das tão aguardadas reformas de Paulo Guedes. Como, com exceção de nossa heroica oposição de esquerda, nenhum dos atores deseja isso, a moeda de troca é alta. Mas não para por aí. Se Maia efetivamente assinasse o papel, concederia também uma valorizada moeda de troca tanto para a oposição a Bolsonaro quanto aos seus aliados do Centrão; eles poderiam definir o futuro do presidente, que seria obrigado a barganhar sua defesa com tudo o que pudesse entregar. Mas há mais: na última semana, vazaram mensagens de um assessor do vice-presidente-general Mourão propondo discussões com deputados sobre o impeachment. Maia sabe que, se o processo for aberto, Bolsonaro não só teria de se preocupar com as reformas de Paulo Guedes que, não saindo do papel, o prejudicam a longo prazo, e nem só com tudo o que ele teria de conceder para não ser impedido, mas também com o que Mourão e sua tropa poderiam prometer e conceder em seu lugar – não para impedir o impeachment, mas, justamente, para consolidá-lo.
É óbvio que Maia não está especialmente interessado num impeachment. Mas sua ameaça rearranja o tabuleiro de tal forma que é possível que até Bolsonaro tenha passado a noite de domingo trabalhando para que seu candidato, Arthur Lira, não seja eleito.