Duas semanas antes das eleições, falei com Wu Rong-yuan, o presidente do Partido Trabalhista de Taiwan, na capital, Taipé. O seu partido está concorrendo em três distritos. Devido ao sistema eleitoral, em que vence o candidato com mais votos, sem que precise de maioria ou haja segundo turno, trata-se de uma batalha difícil. Além disso, o Partido Trabalhista é marginalizado devido à sua posição pró-reunificação com a China. Para compreender melhor esta situação, pedi a um veterano da luta trabalhista que me explicasse a situação mais uma vez.
Taiwan viveu sob a ditadura do Kuomintang, o partido de Chiang Kai-shek, até 1987. As raízes do Kuomintang encontram-se na China continental, onde esteve no poder até a vitória da revolução socialista em 1949. Mesmo após o fim da ditadura, o partido continuou no poder em Taiwan, ainda oficialmente designada República da China, e iniciou um processo de democratização. Entretanto, a principal oposição uniu-se em torno do Partido Democrático Progressista (DPP).
Durante muito tempo, a política da ilha se limitou a uma disputa entre o Kuomintang e o DPP. Quase todas as outras forças políticas, de menor dimensão, se juntaram à coalizão azul ou verde, correspondentes às cores dos dois partidos. Enquanto o Kuomintang considera a ilha como parte da China, o DPP é inequivocamente a favor de uma Taiwan independente.
Em 2000, o DPP chegou ao poder pela primeira vez. Após oito anos de mandato, o DPP voltou a governar em 2016. Não só tinham a presidente, Tsai Ing-wen, como também contavam com uma maioria no parlamento. Foi durante o mandato de Tsai que as tensões com a China aumentaram ainda mais, alimentadas pelos Estados Unidos.
Wu me explicou que as posições econômicas dos dois partidos não são muito diferentes. “Além disso, eles também encontram pontos em comum no anticomunismo contra os governantes de Pequim, diz Wu, “mas enquanto o Kuomintang afirma que os habitantes de Taiwan e da China continental formam uma única nação chinesa, separada pelo mar e por ideologias diferentes, o DPP inventou o nacionalismo taiwanês: desde que chegaram ao poder, há 23 anos, conseguiram criar uma identidade taiwanesa distinta a partir do nada”.
Isto não significa que todos os taiwaneses apoiem o rumo traçado pelo DPP. Ao contrário, a popularidade do DPP no poder diminuiu significativamente. Normalmente, a oposição ganharia estas próximas eleições com folga. A população está dividida quanto à posição correta em relação à China. O prolongamento do serviço militar de quatro para 12 meses torna evidente uma iminente escalada militar. A crise energética, por outro lado, simboliza o fraco desempenho econômico do país. A população está longe de estar satisfeita com as políticas do governo.
Uma vitória garantida para o Kuomintang, então? Não é bem assim, porque desta vez há um terceiro partido que pode convencer uma parcela significativa dos eleitores. O recém-criado Partido do Povo Taiwanês coloca-se como uma alternativa às alianças azul e verde, apresentando um candidato plausível à presidência, o ex-prefeito de Taipei Ko Wen-je. Durante algum tempo, pareceu que este partido iria formar uma chapa presidencial conjunta com o Kuomintang, mas, em novembro, eles acabaram optando por concorrer de forma independente.
Mesmo com uma oposição dividida, o DPP poderia ainda assim ganhar as eleições. Os candidatos à presidência do DPP e do Kuomintang estão pau a pau nas pesquisas. Ninguém pode prever quem vencerá. No entanto, a ascensão de um terceiro partido tem uma consequência importante: independentemente de quem ganhe as eleições presidenciais, é provável que não tenha uma maioria no parlamento. Isso significa que certos acordos terão de ser feitos.
Segundo Wu Rong-yuan, estas eleições são cruciais para as relações entre Taiwan e a China. O Kuomintang defende o status quo, ou seja, reconhece que existe uma única China, embora tenha interpretações diferentes sobre o que isso significa. O DPP quer fazer valer o estatuto de Taiwan como um país independente e pode contar com o apoio dos EUA para isso. “A política de confronto dos EUA torna o status quo impossível”, diz Wu, “enquanto a independência que o DPP procura nos isola do continente e vai contra os interesses dos trabalhadores”.
Por fim, Wu explica a visão do Partido Trabalhista: “A reunificação entre Taiwan e a China é o único caminho para a paz e a prosperidade: ‘Um país, dois sistemas’ é uma fórmula realista”. Quanto a se essa reunificação se basearia no acordo feito com Hong Kong, a resposta é negativa: “A China afirmou claramente que Taiwan teria mais autonomia, e há boas razões para isso: Hong Kong era uma colônia da Grã-Bretanha quando foi transferida para a China, enquanto Taiwan existe há décadas como uma entidade econômica e política autônoma”.
Embora, por enquanto, pareça haver pouca abertura por parte dos dois partidos tradicionais, o Partido Trabalhista espera que haja espaço para o diálogo entre Taipé e Pequim após as eleições: “Não existe um modelo para a reunificação, e é só através do diálogo e do intercâmbio que poderemos encontrar soluções”.
(*) Este artigo foi produzido pela Globetrotter. Wim De Ceukelaire é um ativista da saúde e da justiça social e membro do conselho diretivo global do Movimento para a Saúde dos Povos. É coautor da segunda edição de The Struggle for Health: Medicine and the Politics of Underdevelopment, com David Sanders e Barbara Hutton.
(*) Tradução de Raul Chiliani