Pesquisar
, , ,

O presidente amotinado

Com novas sanções, Obama e o Partido da Guerra tentam impedir que um conflito direto com a Rússia seja protelado.

por Pedro Marin | Revista Opera
(Foto: Bart Stupak)

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou na última quinta-feira (29) a aplicação de novas sanções contra a Rússia, em resposta à suposta participação do país nos chamados ciberataques ao Comitê Nacional Democrata durante as eleições norte-americanas.

Além das sanções contra oficiais russos, a medida incluiu também a expulsão de 35 diplomatas do país, acusados de “espionagem”, e o fechamento de duas instalações russas nos EUA.

A medida foi anunciada pouco após as declarações por mais sanções contra a Rússia por parte de um grupo bipartidário de senadores norte-americanos que fazem nesta semana uma visita à Ucrânia, Georgia, Montenegro, Letônia e Estônia, com o objetivo de reiterar que os países terão o apoio militar dos EUA.

“Nós temos de sancionar a Rússia por esses ciberataques [e] enviar uma mensagem clara à administração que virá de que há bastante apoio bipartidário no Congresso para perseguir isso”, disse a democrata Amy Klobuchar, por telefone, da Letônia, à AFP.

Além de Klobuchar, o grupo é formado pelos republicanos John McCain e Lindsey Graham, que no mês passado lideravam uma iniciativa no Congresso para impedir uma aproximação entre Rússia e EUA, após a vitória de Trump.

Graham havia “previsto” (o senador literalmente usou essa palavra) a aplicação de novas sanções um dia antes do anúncio de Obama – o que para qualquer pessoa consequente revela a formação de um conchavo entre Obama e os republicanos, numa espécie de motim impreterível para que o destino da Casa Branca – e consequentemente do globo – pelos próximos quatro anos seja selado até o final do próximo mês.

Impressiona o fato das sanções terem sido aplicadas antes da conclusão da investigação final do FBI sobre o caso, que Obama havia ordenado fosse terminada antes do dia 20 de janeiro, quando deixa a Casa Branca.

Por sorte, o Presidente russo Vladimir Putin tem resistido às incontáveis provocações de Washington com lenidade, e não com bombardeiros Su-24 ou submarinos nucleares – caso contrário, as guerras e tensões sentidas nas frias estepes do Leste Europeu e nos planaltos do Oriente Médio afetariam também, sem dúvidas, o Hemisfério Sul. Também nesta ofensa Putin respondeu de maneira perspicaz, ao declarar que o país reserva-se o direito de retaliar, mas que não iria tomar medidas no mesmo nível, aguardando a administração Trump para definir os próximos passos. Chegou inclusive a convidar as famílias dos diplomatas americanos em seu país a participar das festividades no Kremlin.

O objetivo prioritário dos amotinados é impedir que um conflito direto com a Rússia seja protelado. Isso incluiria, naturalmente, um avanço (mesmo que não ideal) no conflito sírio, e possivelmente uma solução temporária para o conflito ucraniano (é sabido, afinal, que os Acordos de Minsk falharam porque foram repetidamente violados por Kiev, com a complacência de Washington).

Para isso, contam com ferramentas importantes. Ao acusar os russos pelos ciberataques, como escrevi há algumas semanas, nos distraem do que efetivamente importa: o conteúdo revelado. Não me prolongarei sobre isso (para uma descrição mais detalhada, confiram o artigo), mas os emails vazados essencialmente revelaram o uso de práticas sujas por parte da campanha de Hillary Clinton.

Ao aplicar as sanções, por sua vez, tentavam uma resposta forte do presidente russo – motivo pelo qual a declaração de Putin foi tão acertada.

Ironicamente, nos EUA, o player mais responsável tem sido Trump, tão apedrejado nas páginas dos jornais como um insano – (talvez porque, para o monopólio da imprensa, equilíbrio consista em provocar uma potência nuclear, expulsando seus diplomatas, em meio a duas guerras sanguinolentas, na Síria e Ucrânia).

Na quarta-feira, quando perguntado sobre o escândalo dos hackers russos, Trump disse que “ninguém sabe o que está acontecendo” e que “nós temos de seguir com nossas vidas”. Resta saber quanto tempo ele resistirá à pressão do Partido da Guerra, que agora oficialmente conta, até 20 de janeiro, com um presidente amotinado.

 

Continue lendo

Novo mapa-múndi do IBGE "inverte" representação convencional. (Foto: Reprodução)
O IBGE e os mapas
Cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial sobre o fascismo. Praça Vermelha, Rússia - Moscou. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
80 anos depois: lembrando a derrota do fascismo ou testemunhando seu retorno?
Robert Francis Prevost, o papa Leão XIV, se dirige aos fiéis no Vaticano durante sua posse. (Foto: Mazur / cbcew.org.uk / Catholic Church England and Wales / Flickr)
Frei Betto: o legado de Francisco e os desafios do papa Leão XIV

Leia também

São Paulo (SP), 11/09/2024 - 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo no Anhembi. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Ser pobre e leitor no Brasil: um manual prático para o livro barato
Brasília (DF), 12/02/2025 - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia que celebra um ano do programa Nova Indústria Brasil e do lançamento da Missão 6: Tecnologias de Interesse para a Soberania e Defesa Nacionais, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O bestiário de José Múcio
O CEO da SpaceX, Elon Musk, durante reunião sobre exploração especial com oficiais da Força Aérea do Canadá, em 2019. (Foto: Defense Visual Information Distribution Service)
Fascista, futurista ou vigarista? As origens de Elon Musk
Três crianças empregadas como coolies em regime de escravidão moderna em Hong Kong, no final dos anos 1880. (Foto: Lai Afong / Wikimedia Commons)
Ratzel e o embrião da geopolítica: a “verdadeira China” e o futuro do mundo
Robert F. Williams recebe uma cópia do Livro Vermelho autografada por Mao Zedong, em 1 de outubro de 1966. (Foto: Meng Zhaorui / People's Literature Publishing House)
Ao centenário de Robert F. Williams, o negro armado
trump
O Brasil no labirinto de Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o ex-Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger, em maio de 2017. (Foto: White House / Shealah Craighead)
Donald Trump e a inversão da estratégia de Kissinger
pera-5
O fantástico mundo de Jessé Souza: notas sobre uma caricatura do marxismo
Uma mulher rema no lago Erhai, na cidade de Dali, província de Yunnan, China, em novembro de 2004. (Foto: Greg / Flickr)
O lago Erhai: uma história da transformação ecológica da China
palestina_al_aqsa
Guerra e religião: a influência das profecias judaicas e islâmicas no conflito Israel-Palestina