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A insana fórmula do Dr. Trump

O método de Trump para calcular as tarifas é comparável ao de um médico que avalia o peso ideal do paciente dividindo a sua altura pela sua data de nascimento

Dean Baker
A equipe de Trump calculou o déficit comercial dos EUA com cada país e o dividiu pelo valor das exportações desses países para os Estados Unidos. Trump decidiu que esse valor era igual à tarifa que cada país cobrava sobre os produtos importados dos EUA. (Foto: White House / Daniel Torok)
A equipe de Trump calculou o déficit comercial dos EUA com cada país e o dividiu pelo valor das exportações desses países para os Estados Unidos. Trump decidiu que esse valor era igual à tarifa que cada país cobrava sobre os produtos importados dos EUA. (Foto: White House / Daniel Torok)

Suponha que seu médico de repente insistisse que você precisa seguir uma dieta rigorosa e um plano de exercícios. Ele diz que percebeu que você tem um problema sério ao dividir sua altura pela sua data de nascimento: o resultado foi muito alto. Você provavelmente decidiria que precisa de um novo médico. Esse é basicamente o enredo da nova série de impostos sobre importações (tarifas) de Donald Trump sobre seus parceiros comerciais. Trump decidiu, de alguma forma, que o comércio estava levando o país à falência, mesmo que estivéssemos criando empregos rapidamente, a economia estivesse crescendo em um ritmo forte e a inflação estivesse desacelerando para taxas normais quando ele assumiu o cargo.

A resposta de Trump é dar ao país o maior aumento de impostos da sua história, possivelmente ultrapassando 1 trilhão de dólares por ano, o que equivale a 7 mil dólares por família. E esse aumento de impostos afetará principalmente as famílias de renda média e moderada. Os impostos de Trump poupam os ricos, que gastam uma parcela menor de sua renda em produtos importados.

Muito do que Trump disse em seu discurso no Rose Garden não fazia sentido. Ele repetiu sua afirmação bizarra de que os Estados Unidos tiveram seu maior período de prosperidade na década de 1890. Essa foi uma época em que os trabalhadores trabalhavam sete dias por semana, os sindicatos eram em grande parte ilegais e a expectativa de vida era inferior a 50 anos.

Em seguida, ele atribuiu a Grande Depressão ao imposto de renda, que continuou após a Segunda Guerra Mundial e a morte do presidente Roosevelt. Na versão de Trump, a Era de Ouro do pós-guerra, de 1945 a 1973, não existiu. Esse foi um período em que a economia crescia rapidamente, os ganhos do crescimento eram amplamente distribuídos e a alíquota de imposto de renda dos mais ricos ficava entre 70% e 90%.

A descrição de Trump sobre o presente não é mais fundamentada na realidade do que sua história dos Estados Unidos. Ele nos diz que nossos parceiros comerciais e aliados mais próximos estavam todos nos roubando.

O Canadá é um dos principais vilões na história de Trump. Isso se baseia no superávit comercial do país com os Estados Unidos, que Trump insiste ser de 200 bilhões de dólares por ano. Na realidade, o superávit comercial do Canadá é de aproximadamente 60 bilhões de dólares, e isso se deve inteiramente ao petróleo que importamos deles. Sem nossas importações de petróleo, teríamos um superávit comercial com o Canadá.

Ironicamente, foi Trump quem nos incentivou a importar mais petróleo do Canadá em seu primeiro mandato. Aparentemente, ele agora decidiu que eles estão nos roubando ao nos vender o petróleo que ele queria que comprássemos.

O fato de os assessores de Trump não terem conseguido fazê-lo corrigir seu número imaginário do superávit comercial do Canadá é um claro sinal de que as altas tarifas de Trump não têm base na realidade. Certamente há questões que podem ser levantadas sobre o comércio, e as políticas dos EUA muitas vezes não beneficiaram os trabalhadores do país.

A rápida expansão do comércio com a China e outros países em desenvolvimento na primeira década deste século nos custou milhões de empregos na indústria. Também devastou os sindicatos industriais. Como resultado, a taxa de sindicalização na indústria manufatureira é agora pouco superior à do resto do setor privado. O prêmio salarial histórico pago na indústria manufatureira desapareceu em grande parte.

Mas é um salto enorme e absurdo passar desse fato para a afirmação de Trump de que todos os nossos parceiros comerciais estão nos roubando. Na verdade, no decorrer de seu discurso confuso, Trump deu um ótimo exemplo de como o comércio estava beneficiando o país.

Um surto de gripe aviária fez os preços dos ovos dispararem quando Trump assumiu o mandato. Em resposta aos preços recordes, o secretário de Agricultura de Trump negociou grandes compras de ovos da Coreia do Sul e da Turquia, aumentando nosso déficit comercial com ambos os países. Ainda assim, Trump se gabou sobre como seu governo havia reduzido os preços dos ovos.

É esse tipo de raciocínio distorcido que está na base do imposto massivo que Trump está impondo sobre os produtos que importamos de nossos parceiros comerciais. Incrivelmente, verifica-se que as taxas de imposto que Trump instituiu, de 10% sobre produtos do Reino Unido a 49% sobre o Camboja, que supostamente foram tarifas “recíprocas”, não têm qualquer relação com as tarifas ou barreiras comerciais que esses países impõem às nossas exportações.

Na realidade, a equipe de Trump calculou o déficit comercial dos EUA com cada país e o dividiu pelo valor das exportações desses países para os Estados Unidos. Trump decidiu que esse valor era igual à tarifa que cada país cobrava sobre os produtos importados dos EUA.

O método de Trump para calcular as tarifas é comparável ao de um médico que avalia o seu peso ideal dividindo a sua altura pela sua data de nascimento. Qualquer médico que fizesse isso seria evidentemente louco, e infelizmente o nosso presidente também o é. E, aparentemente, nenhum dos seus conselheiros econômicos tem a coragem e a integridade para o corrigir ou demitir-se.

(*) Tradução de Raul Chiliani

CEPR O Center for Economic and Policy Research (CEPR) é um think-tank fundado em 1999 pelos economistas Dean Baker e Mark Weisbrot para promover debates sobre questões econômicas e sociais nos EUA.

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