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Os EUA podem derrotar o Irã?

O Irã não é um alvo fácil. Com um território extenso, formado por montanhas acidentadas, desertos inóspitos e regiões de difícil acesso, uma invasão terrestre se tornaria uma missão quase suicida

Frei Betto
Trincheiras preservadas da batalha de Fath-Olmobin, da Guerra Irã-Iraque, na província de Cuzistão, no Irã. (Foto: Ninara / Flickr)
Trincheiras preservadas da batalha de Fath-Olmobin, da Guerra Irã-Iraque, na província de Cuzistão, no Irã. (Foto: Ninara / Flickr)

Uma eventual guerra entre EUA e Irã resultaria em um conflito prolongado e extremamente custoso, tanto do ponto de vista humano quanto estratégico. Apesar da evidente superioridade militar americana em tecnologia e capacidade logística, uma vitória rápida da Casa Branca é altamente improvável.

O Irã não é um alvo fácil. Com um território extenso – cerca de 1.648.000 km², pouco maior que o estado do Amazonas –, formado por montanhas acidentadas, desertos inóspitos e regiões de difícil acesso, uma invasão terrestre se tornaria uma missão quase suicida. O exemplo do Afeganistão ainda está fresco na memória do Pentágono: mesmo com poderio militar superior, os EUA enfrentaram imensas dificuldades em um território montanhoso e fragmentado politicamente.

Diante disso, Washington provavelmente evitaria colocar soldados em solo iraniano, preferindo ataques aéreos com mísseis e drones de longo alcance. No entanto, essa estratégia teria limites claros diante da capacidade iraniana de resistência e resposta assimétrica.

Um dos maiores trunfos geopolíticos do Irã é o potencial controle sobre o Estreito de Ormuz, uma passagem marítima vital que conecta o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e, por consequência, ao Oceano Índico. Esse estreito, com cerca de 39 km de largura em seu ponto mais estreito, separa o Irã de Omã e dos Emirados Árabes Unidos. Por ele transitam cerca de 20% de todo o petróleo consumido no mundo.

Caso Teerã bloqueie essa rota estratégica, o impacto seria devastador para a economia global. As exportações de petróleo da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Iraque, Catar e do próprio Irã seriam severamente afetadas, provocando uma escalada nos preços do barril de petróleo. O Irã também exporta gás natural, cobre, trigo, pistache, açafrão e tâmaras.

Historicamente, o Estreito de Ormuz já foi controlado por vários impérios e potências, incluindo persas, árabes, portugueses (século XVI), britânicos (séculos XIX e XX) e, recentemente, os EUA. O controle dessa região é, portanto, um ponto de disputa geopolítica que transcende o conflito atual.

 Leia também – “Nunca vamos esquecer posições de Lula sobre a Palestina”, diz embaixador houthi no Irã 

Embora o Irã não tenha o mesmo nível de sofisticação bélica dos EUA, domina táticas de guerra assimétrica e conta com uma rede de milícias aliadas no Iraque, Líbano, Síria e Iêmen. Esses grupos, como o Hezbollah, podem realizar ataques a interesses estadunidenses e aliados na região. Além disso, Teerã possui mísseis balísticos capazes de atingir bases dos EUA no Oriente Médio, bem como cidades e instalações estratégicas em Israel e na Arábia Saudita.

Em guerras recentes, o Irã demonstrou capacidade de preservar sua infraestrutura básica e realizar ataques inesperados, como o bombardeio de bases americanas no Iraque após o assassinato do general Qassem Soleimani, em 2020.

Outro dado crucial é o avançado programa iraniano de enriquecimento de urânio, que serve como um fator de dissuasão. Embora Teerã afirme que o programa é pacífico, muitos analistas acreditam que  funciona como um “seguro” contra eventuais ataques externos.

No plano político, uma guerra contra o Irã representaria um enorme risco para Washington. O custo diplomático e a ausência de apoio internacional significativo tornariam qualquer intervenção altamente impopular. Internamente, seria um desgaste considerável para Trump e o orgulho ianque, especialmente após os fracassos no Vietnã, Iraque e Afeganistão. Resta saber se os EUA estariam dispostos a enfrentar mais uma ocupação prolongada sem garantia de sucesso.

Além disso, Rússia e China, embora não sejam aliadas formais do Irã, tenderiam a apoiá-lo diplomática e economicamente, especialmente no Conselho de Segurança da ONU. Qualquer sanção adicional ao Irã poderia desestabilizar ainda mais os mercados internacionais e comprometer o fornecimento global de energia.

Ao contrário do Iraque em 2003, o Irã possui um governo consolidado, com instituições de Estado relativamente estáveis e um nacionalismo fortalecido em momentos de ameaça externa. Mesmo os opositores internos ao regime provavelmente se uniriam contra uma invasão estrangeira, dificultando tanto uma vitória militar quanto uma imposição política.

Embora os EUA tenham capacidade de causar danos substanciais ao Irã por meio de bombardeios aéreos e navais, uma rendição completa de Teerã é altamente improvável. A história mostra que as potências ocidentais frequentemente subestimam a resiliência das nações do Oriente Médio. E o Irã, por sua posição estratégica e experiência histórica, talvez tenha menos a perder do que qualquer país que decida atacá-lo.

(*) Frei Betto é escritor, autor do romance sobre indígenas do Amazonas, “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

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