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Washington quer uma nova Guerra Fria – e isso é uma má ideia

Os EUA fariam bem em se concentrar no desenvolvimento de novas tecnologias ao invés de gastar mais de 1 trilhão de dólares em uma nova geração de armas nucleares que nunca poderão ser utilizadas.
Os EUA fariam bem em se concentrar no desenvolvimento de novas tecnologias ao invés de gastar mais de 1 trilhão de dólares em uma nova geração de armas nucleares que nunca poderão ser utilizadas. Por Katrina vandel Heuvel | Globetrotter
O destroyer dos EUA USS Halsey operando no estreito de Taiwan. (Foto: U.S. Navy / Andrew Langholf)

Enquanto a China realizava exercícios militares de fogo real na costa de Taiwan, simulando uma operação de “reunificação pela força” após a visita cerimonial da presidente da Câmara Nancy Pelosi à ilha, o fervor bipartidário por uma nova Guerra Fria com a China e a Rússia tomou conta de Washington.

“Líderes de ambos os partidos”, reportou o colunista do Washington Post, Josh Rogin, “compreendem que os Estados Unidos têm uma missão e um interesse em […] responder seus adversários tanto na Europa quanto na Ásia”. Os EUA demonstraram que poderiam lidar com a China e a Rússia ao mesmo tempo, diz ele. O Senado votou, por 95 votos favoráveis e um contra, para incluir a Suécia e a Finlândia na OTAN. A Lei de Prevenção da Invasão de Taiwan tem apoio bipartidário. E políticos de ambos os partidos lutaram para dar ao Pentágono ainda mais dinheiro do que este havia requisitado.

A Guerra Fria constitui uma zona de conforto para os Estados Unidos. Nós vencemos a última. Nós somos os mocinhos. É a democracia contra o autoritarismo. E nós temos as maiores e melhores forças armadas. Quem poderia se opor?

Mas as perguntas obscuras permanecem. Uma nova Guerra Fria – que enfrente Rússia e China ao mesmo tempo – serve realmente à segurança dos estadunidenses? Ela avança a prometida “política externa para a classe média” do presidente Biden? Será que a maior parte dos estadunidenses não prefere que o país controle seu desejo por aventuras estrangeiras e se foque em colocar a casa em ordem?

A ameaça existencial para a nossa segurança hoje é o clima extremo causado pelas mudanças climáticas, que já estão custando mais vidas e bilhões de dólares em destruição por incêndios florestais, enchentes, pragas e secas. A varíola dos macacos (monkeypox) nos lembra que os ataques mais letais que nos atingiram vieram das pandemias globais. Encher o Pentágono de dinheiro não ajuda. Não seria melhor se as jornadas do emissário presidencial especial John F. Kerry tivessem tanta atenção quanto a performance de Pelosi em Taiwan? Não é possível responder às mudanças climáticas e às pandemias sem a cooperação da Rússia e da China, e ainda assim, após a visita de Pelosi, os chineses encerraram as conversas sobre estas questões.

A equipe de política externa de Biden se concentrou em alinhar bases e aliados para cercar e conter a Rússia e a China. Mas a guerra na Ucrânia revelou a fraqueza militar da Rússia. Enquanto isso, as sanções cortaram o acesso a alimentos, fertilizantes e minerais russos vitais para países em todo o mundo e podem contribuir para uma recessão global.

 Leia também – A inexorabilidade do tempo: estratégia e grande estratégia na guerra da Ucrânia 

A China de fato é um “competidor pareado”, como o Pentágono a chama. Mas sua força é sua economia, não suas forças armadas. Ela é a principal parceira comercial de países ao redor de todo o globo, da América Latina à Ásia, passando pela África. Quando Pelosi passou pela Coreia do Sul após sua visita a Taiwan, o presidente sul-coreano não a recebeu. O presidente Yoon Suk-yeol, depois soubemos, estava em uma “estadia”, assistindo a uma peça. Tal desprezo por parte de um aliado leal, que abriga quase 30 mil soldados dos EUA, é certamente um reflexo do fato de que a China é a principal parceira comercial da Coreia do Sul. Os Estados Unidos fariam bem em se concentrar – como a China faz – no desenvolvimento de novas tecnologias que definirão os mercados do futuro ao invés de gastar mais de 1 trilhão de dólares em itens como uma nova geração de armas nucleares que nunca poderão ser utilizadas.

Os novos Cold Warriors (Guerreiros da Guerra Fria, em tradução livre) afirmam que a mobilização de forças ao redor da China e da Rússia é defensiva. Mas como Stephen Walt argumenta na Foreign Policy, essa posição ignora o “dilema da segurança”: o que um país considera como medidas inocentes para aumentar sua segurança, outro pode ver como uma ameaça. As administrações dos EUA continuaram afirmando o “direito” da Ucrânia de ingressar na OTAN como uma medida de segurança contra a ameaça representada pela Rússia. A Rússia viu a possível acomodação de forças da OTAN e de mísseis estadunidenses na Ucrânia como uma ameaça. O comentário de Biden de que Putin “não pode permanecer no poder”, ecoado por políticos dos EUA, e o histórico de apoio dos EUA às mudanças de regime em todo o mundo não foram exatamente tranquilizadores.

Embora Washington aceite formalmente que Taiwan é uma província da China, continua armando a ilha e enviando mais forças para o Pacífico. Pelosi descreveu sua visita como uma “declaração inequívoca de que os Estados Unidos estão com Taiwan, nosso parceiro democrático, enquanto defende a si mesma e sua liberdade”. Pequim vê isso como um ataque à sua soberania nacional, uma violação de nossa posição oficial e uma provocação destinada a estimular movimentos de independência em Taiwan.

Os Cold Warriors pressupõem que a maior parte do planeta está do lado deles. Realmente, nossos aliados da OTAN se uniram contra a Rússia após sua invasão à Ucrânia, mas dois terços da população mundial, de acordo com a The Economist, vivem em países que se recusaram a sancionar os russos. Boa parte do mundo desenvolvido mantém uma postura cética – ou ainda pior – quanto às declarações dos Estados Unidos sobre a democracia e uma “ordem internacional baseada em regras”. Esse fato já torna as sanções menos efetivas – as compras chinesas de petróleo e gás russos, por exemplo, aumentaram 72% desde a invasão da Ucrânia. Isso também reflete a crescente força do “soft power” chinês e o declínio da força militar dos EUA.

 Leia também – Entre as bombas e os patrões: como está a classe trabalhadora na Ucrânia? 

As grandes potências declinam em grande parte devido à fraqueza interna e ao fracasso em se ajustar às novas realidades. Em uma era de perigosa conflitividade partidária, a adoção bipartidária de uma nova Guerra Fria compõe um contraste marcante. Mas os velhos hábitos não respondem aos novos desafios. Dificilmente esse será o caminho para a construção de uma democracia vibrante nos Estados Unidos.

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