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Chile: relatório pós-eleitoral

Os resultados preliminares das megaeleições chilenas apontam como vencedores o setor independente e a esquerda.
Os resultados preliminares das megaeleições chilenas apontam como vencedores o setor independente e a esquerda, no que tem sido uma jornada histórica de mudança das forças políticas e protagonismo popular. Por CELAG | Tradução de Rebeca Ávila para a Revista Opera
(Foto: Carlos Figueroa)

I – Eleições para a Convenção Constituinte

O retrato da Assembleia Constituinte que redigirá a nova Constituição do Chile mostra um país em transformação. Sem dúvida, o grande perdedor da disputa foi o status quo representado pela lista oficialista Chile Vamos, em que a direita concorreu unida: da ala mais abertamente pinochetista à direita neoliberal consagrada no governo atual.

O processo eleitoral dos dias 15 e 16 de maio transcorreu normalmente. A participação foi menor que a do plebiscito de outubro de 2019, que teve a porcentagem histórica de 50,9% de eleitores. Desta vez, a afluência de voto foi de 42,5%, uma queda que pode ser explicada pela situação sanitária, o inverno incipiente e certa perda de interesse por parte de alguns setores da população, após o foco de atenção da sociedade chilena ter se voltado à crise sanitária e econômica. Também não podemos ignorar as recorrentes denúncias de falta de transporte, sobretudo no domingo.

A direita chegou a esta eleição fazendo seu trabalho perfeitamente: apresentou-se unida em uma aliança, conseguiu arrecadar fundos altíssimos em campanha eleitoral e atraiu o apoio dos meios de comunicação. Não foi suficiente.

Com 37 cadeiras, a lista Chile Vamos (direita) fica longe do número mágico de 52 cadeiras, ou seja, do terço necessário para vetar os acordos constituintes (a reforma constitucional do fim de 2019 acordou uma minoria de bloqueio).

A antiga Concertación, coalizão agrupada na lista do Apruebo (25 cadeiras), foi relegada a uma terceira força.

Isto é muito relevante, porque supõe um ponto final ao bipartidarismo resultante da chamada “transição pós-ditadura”. Até então, a direita e a Concertación (ou Nueva Mayoría) sempre haviam alternado o primeiro e o segundo lugar nas disputas. A partir de agora, este cenário fica para trás com a recente eleição, dando lugar a novos atores políticos.

A votação configurou um novo mapa de forças progressistas e de esquerda, que serão obrigadas a se entender e se reconhecer, dado o protagonismo que o povo chileno lhes deu para a construção de um marco jurídico que deixe para trás o modelo fundado pela ditadura de Pinochet. 

A esquerda agrupada na lista Apruebo Dignidad conseguiu 28 cadeiras, convertendo-se na segunda força política do país, com um programa nitidamente antineoliberal. Este espaço está conformado pela aliança entre o Partido Comunista e a grande maioria do Frente Amplio. 

A grande surpresa dos resultados constituintes foi a grande quantidade de cadeiras conseguidas por setores independentes, um total de 48, número que supera todas as projeções e que expressa o cansaço em relação à política partidária tradicional que vinha crescendo no país. Dentre essas cadeiras, vale destacar a Lista del Pueblo, que agrupa cerca de metade dos assentos.

Entre as cadeiras restantes das listas de independentes, 11 foram para a lista Nueva Constitución, de centro/centro-direita, e os 13 restantes não integram nenhuma lista. As 17 cadeiras atribuídas aos povos indígenas completam esse cenário, onde a população mapuche terá um papel fundamental.

O Partido Humanista conseguiu apenas um membro constituinte, e seu candidato à prefeitura de Santiago, Pablo Maltés (marido da candidata presidencial Pamela Jiles), ficou em quarto lugar. De maneira geral, foi uma débil transferência da carismática figura de Jiles a esta sigla da qual faz parte.

Deve-se acrescentar que todos esses números foram contabilizados até o momento de publicação deste relatório, mas apenas na quinta-feira teremos os resultados definitivos, que ainda poderão variar em alguns casos.

De qualquer forma, tudo isso deixa como resultado uma Constituinte muito aberta e nitidamente progressista, que nasce com uma composição inédita na história global dos processos constituintes: a paridade de gênero, com 83 mulheres e 73 homens até a publicação desta nota. As e os constituintes terão até um ano para redigir a nova Carta Magna que, em seguida, será submetida à consulta popular para aprovação.

II – Governadores, prefeitos e vereadores

Governadores: pela primeira vez, foram realizadas eleições para os governos regionais, que substituirão os intendentes, antes designados pela presidência. O esquema eleitoral estipula que cada candidato deve ser eleito com uma votação superior a 40%, ou passam ao segundo turno. 

Apenas três regiões escolheram seus novos governadores no primeiro turno. O resto terá que esperar até 13 de junho para ter os resultados no segundo turno. Entre os vencedores do primeiro turno estão Rodrigo Mundaca, em Valparaíso, candidato independente pelo Frente Amplio que milita pela água como direito universal; Jorge Flies, independente em Magallanes; e Andrea Macías, do Partido Socialista, em Aysén. A direita conseguiu ir para o segundo turno em nove das 13 regiões que ainda estão em disputa. O governo de Santiago será disputado entre a candidata do Frente Amplio, Karina Oliva, e Claudio Orrego, da Democracia Cristiana (ex-Concertación).

Prefeitos: a velha partidocracia sofreu uma grande derrota. Em comparação com as eleições regionais de 2016, os resultados atuais significaram menos prefeituras para a direita do Chile Vamos e em menor medida para a antiga Concertación. A UDI, principal partido do Chile Vamos, conseguiu 20 prefeituras a menos do que em 2016, enquanto o Renovación Nacional, também dentro do Chile Vamos, obteve 32 prefeituras, contra 47 na eleição anterior. Por sua vez, a antiga Concertación sofreu menos golpes, mas também esteve em queda: o PPD obteve 10 prefeituras a menos do que em 2016 e o Partido Socialista perdeu pelo menos três.

Perderam prefeituras simbólicas como Viña del Mar, Ñuñoa, Maipú e especialmente Santiago, onde a vitória da militante comunista Iraci Hassler com 39% dos votos é histórica (embora ocorra em uma eleição caracterizada pela baixa participação, com 27% na capital).

O candidato presidencial Joaquín Lavín (UDI), prefeito de Las Condes, passará a prefeitura a uma co-partidária, enquanto a candidata presidencial Evelyn Matthei (UDI) foi reeleita em Providencia.

O resto da oposição e independentes ficaram com 37,4%, com o Frente Amplio e o Partido Comunista (PC).

O candidato presidencial Daniel Jadue, do PC, varreu Recoleta com 64%.

Macarena Ripamonti, do Frente Amplio, ganhou em Viña del Mar, deslocando a direita que governou este importante município durante 17 anos.

Jorge Sharp, prefeito de Valparaíso (independente, ex-FA), enfrentou uma campanha de deslegitimação e denúncias por parte da ex-Concertación e da direita; no entanto, conseguiu ser reeleito com ampla margem.

Vereadores: na eleição de 2016, Chile Vamos (coalizão de direita) e Concertación (Nueva Mayoría nesta eleição) concentraram 86,6% dos apoios – 47,1% para Nueva Mayoría e 39,5% para Chile Vamos – das 2.240 cadeiras das câmaras de vereadores. Na atual eleição ambos perderam parte dos seus apoios. Na jornada de ontem, Chile Vamos conseguiu 34,7% das cadeiras e a Nueva Mayoría ficou com 44,5%. O resto das forças políticas de oposição aumentou sua representação, passando de 13,4% a 20,8%.

III – Concluindo

O impulso da mobilização social primeiro e, depois, o respaldo unânime à mudança constituinte se referendaram ontem no Chile com a entrega do poder efetivo a quem encarnou melhor esse impulso de mudança: os independentes e a esquerda.

Serão eles que conduzirão o poder local nas prefeituras mais importantes do país; serão eles, e sobretudo elas, que escreverão o futuro do Chile em letras constituintes. 

Faltam poucos meses para as promissoras eleições presidenciais em 21 de dezembro.

Ainda é cedo para saber o que acontecerá nesse cenário, mas o que está claro é que o candidato de esquerda, Daniel Jadue, sai fortalecido após a disputa eleitoral deste fim de semana, tanto pelo seu próprio resultado em Recoleta como pelo que foi conquistado a nível constituinte com sua lista, Apruebo Dignidad. Daniel Jadue segue aparecendo em primeiro ou segundo lugar em todas as pesquisas publicadas. Por outro lado, Pamela Jiles, candidata do Partido Humanista, não ficou bem-posicionada após esta disputa eleitoral. Veremos.

A direita, com seus dois candidatos mais competitivos, Joaquín Lavín e Evelyn Mathei, obteve bons resultados nos seus municípios, mas não no âmbito constituinte. 

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