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Os poderosos que apoiam Israel

Da base aérea de Chipre à Casa Branca, lideranças ocidentais que apoiam Israel também deveriam responder pelo genocídio em Gaza

Vijay Prashad
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, apertam as mãos após coletiva de imprensa conjunta para anunciar o plano de paz dos EUA para Gaza. 29 de setembro de 2025. (Foto: Joyce N. Boghosian / White House)
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, apertam as mãos após coletiva de imprensa conjunta para anunciar o plano de paz dos EUA para Gaza. 29 de setembro de 2025. (Foto: Joyce N. Boghosian / White House)

No dia 26 de outubro, Caroline Willemen, do Médicos Sem Fronteiras, afirmou que Israel continua usando a necessidade de ajuda humanitária em Gaza como “meio de exercer pressão”. “A situação humanitária em Gaza não melhorou de forma significativa”, disse Caroline à imprensa, “já que a escassez de água e abrigo persiste e centenas de milhares de pessoas continuam vivendo em tendas à medida que o inverno se aproxima”. As forças armadas de Israel já anexaram mais da metade do território de Gaza e estão despejando grandes quantidades de detritos nessa zona, transformando-a em uma montanha de lixo. Remover os escombros sem especialistas e equipamentos é muito perigoso, pois cerca de 10% a 12% das bombas israelenses lançadas sobre Gaza não explodiram.

“Todos os habitantes de Gaza estão agora vivendo em um campo minado horrível e não mapeado”, disse Nick Orr, da Humanity and Inclusion, uma organização não-governamental que atua na Palestina. “As UXO [munições não detonadas] estão por toda parte. No solo, nos escombros, debaixo da terra, em todos os lugares”. À medida que os palestinos escavam as colinas de concreto, correm o risco de acionar uma bomba adormecida – criando mais vítimas do genocídio israelense. 

Nos últimos dois anos, Israel lançou pelo menos 200 mil toneladas de explosivos sobre Gaza, uma quantidade equivalente a treze bombas atômicas da mesma magnitude da lançada sobre Hiroshima pelos Estados Unidos em 6 de agosto de 1945. Isso é inimaginável, especialmente considerando que os palestinos não têm sistemas de defesa aérea, nem força aérea, nem capacidade de se defender de bombardeios de alta altitude e drones, ou de retaliar de maneira comparável. Os genocídios são, por natureza, assimétricos. Mas descrever esses dois últimos anos como assimétricos é obsceno: foi uma violência unidirecional, com os israelenses, como Golias, usando suas imensas vantagens contra a resistência palestina, como Davi.

A opacidade das transferências oficiais de armas significa que não temos uma ideia precisa de quanto chegou a Israel proveniente de seus principais fornecedores durante a guerra: Estados Unidos, Alemanha, Itália e Reino Unido. No entanto, temos evidências suficientes para saber que a maioria das bombas veio dos Estados Unidos, com fornecimentos menores dos outros países. Um novo relatório do Relator Especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados desde 1967, intitulado Gaza Genocide: a collective crime (20 de outubro de 2025), deixa indiscutivelmente claro que os países que fornecem equipamento militar a Israel, ou que o ajudam de alguma forma – incluindo através de apoio diplomático – são totalmente cúmplices do genocídio.

Em outras palavras, a obrigação de cumprir a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio não é discricionária; o dever de fazer o possível para impedir o genocídio é obrigatório. A participação torna esses países totalmente culpados. O relatório observa que o genocídio israelense dos palestinos em Gaza torna esse crime “um crime internacionalmente facilitado”.

O nível de cumplicidade é extraordinário. Veja-se o caso do Reino Unido, cujo primeiro-ministro, Keir Starmer, é advogado de direitos humanos e, de fato, escreveu o manual sobre a legislação europeia em matéria de direitos humanos (1999). Em 6 de agosto de 2025, Matt Kennard contou ao Palestine Deep Dive como aeronaves militares britânicas deixaram a base aérea de Akrotiri, em Chipre, e escoltaram um avião não-identificado sobre Gaza. Seis dias depois, Iain Overton, do UK Declassified, revelou que, entre esses aviões, havia um avião de vigilância Shadow R1 da Força Aérea Real britânica voando ao lado de um Beechcraft Super King Air 350 de propriedade da Sierra Nevada Corporation (dos Estados Unidos) com o indicativo de chamada CROOK 11. O que esses aviões estavam fazendo? Quem os autorizou a realizar essa operação? Quem é CROOK 11?

Já em dezembro de 2024, Starmer disse às tropas na base aérea de Akrotiri: “Há muitos trabalhos diferentes sendo realizados. Também estou ciente de que algumas, ou muitas, das atividades realizadas aqui não podem ser discutidas o tempo todo… Não podemos necessariamente contar ao mundo o que vocês estão fazendo aqui… porque, embora não estejamos dizendo isso ao mundo inteiro, são razões óbvias para vocês”. A razão óbvia é que se trata de um genocídio, e o Reino Unido é cúmplice, por isso não pode falar sobre isso.

O histórico dos Estados Unidos é ainda mais terrível. Um parágrafo do relatório do Relator Especial é suficientemente condenatório:

“Desde outubro de 2023, os EUA transferiram 742 remessas de ‘armas e munições’ (Código HS 93) e aprovaram dezenas de bilhões em novas vendas. Os governos Biden e Trump reduziram a transparência, aceleraram as transferências por meio de repetidas aprovações de emergência, facilitaram o acesso de Israel ao estoque de armas dos EUA mantido no exterior e autorizaram centenas de vendas um pouco abaixo do valor que exigiria a aprovação do Congresso. Os EUA enviaram aeronaves militares, forças especiais e drones de vigilância para Israel, com a vigilância dos EUA supostamente sendo usada para atacar o Hamas, inclusive no primeiro ataque ao hospital Al Shifa.”

Em novembro de 2024, o Tribunal Penal Internacional (TPI) apresentou um mandado de prisão contra Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant. Com base neste relatório recente da ONU, o procurador do TPI, Karim Khan, deveria ser obrigado a apresentar mandados contra Rishi Sunak, Starmer, Olaf Scholz, Friedrich Merz, Joe Biden e Donald Trump – no mínimo. Qualquer coisa diferente disso consiste numa afronta ao sistema internacional baseado em regras, ou seja, à Carta das Nações Unidas.

(*) Tradução de Raul Chiliani

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