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O Partido e a Lei de Jair Bonaparte

Com lançamento de “Aliança Pelo Brasil”, Bolsonaro perde quantitativamente, mas consolida poder em torno de si. Para o presidente, radicalizar é preciso.
por Pedro Marin | Revista Opera
Jair Bolsonaro participa de cerimônia de celebração do 74° aniversário de criação da Brigada de Infantaria Paraquedista. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Em julho de 2017, o general Villas-Bôas, àquele momento Comandante do Exército, declarou que “reconhecia como positivo” o governo repensar o uso das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), já que tal uso, nas palavras do general, “é inócuo e, para nós, é constrangedor.” Vinte e três dias depois, o presidente Michel Temer anunciava um novo decreto de GLO para o Rio de Janeiro, para depois, em fevereiro de 2018, decretar a intervenção federal no Estado, colocando sua Segurança Pública sob comando do general Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste. 

Braga Netto não o desejava. Considerava-a uma medida extrema, substituível pela já em vigor Garantia de Lei e da Ordem. Ainda assim, o interventor foi ao gabinete do presidente, acompanhado de Villas-Bôas, fazendo três solicitações: mais recursos para a intervenção, mandatos coletivos de busca e apreensão e flexibilização das regras para a tropa, dentre as quais a autorização para atirar contra indivíduos com “intenção hostil.”

Quase dois anos depois, é o presidente Jair Bolsonaro quem atende a uma das demandas dos generais, expandindo-a. Durante o lançamento de seu novo partido, o “Aliança Pelo Brasil”, o presidente anunciou ter encaminhado para o Congresso o projeto de lei 6125/2019, composto pelo Ministro da Defesa, Fernando Azevedo, o da Justiça, Sérgio Moro, e pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, visando isentar de punição militares e policiais que cometam excessos durante operações de Garantia da Lei e da Ordem. Ou, nas palavras do PL, para estabelecer “regras flexíveis” durante tais operações.

Disse o presidente, quando anunciando o PL: “Não adianta alguém estar muito bem de vida se está preocupado com medo de sair na rua com medo de ladrão de celular. Ladrão de celular tem que ir para o pau.” Declarou também: “Vamos depender agora, meus parlamentares, deputados e senadores, de aprovar isso lá. Será uma grande guinada no combate à violência no Brasil. Nós temos como diminuir e muito o número de mortes por 100 mil habitantes no Brasil.”

O presidente pretende acionar o dispositivo da GLO, previsto, de acordo com o próprio projeto de lei, para situações em que “há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem”, para reduzir o roubo de celulares? Usará uma manobra na qual, de novo de acordo com o próprio PL, “as Forças Armadas agem de forma episódica, em área restrita e por tempo ilimitado”, para reduzir o número de mortes anuais em todo o País?

Apesar da afeição presidencial pelo absurdo, não se trata disso. As manifestações no Equador e Chile assustaram a família Bolsonaro. Mais: foram tomadas, como devem ser por nós, como guias de estudo, casos a serem esquadrinhados, movimentos a serem minuciosamente estudados. Durante seu giro pela Ásia, o presidente declarou, em Tóquio, que, havendo cá manifestações com as de lá, jogaria o Exército nas ruas. Reforçou o recado enquanto estava na China, chamando os manifestantes chilenos de “terroristas” e dizendo que a Defesa no Brasil monitora a situação no país vizinho e deve estar preparada para um eventual acionamento das Forças Armadas para, advinhem, a “garantia da lei e da ordem”. Eduardo Bolsonaro repetiu o pai, dizendo que se o espírito que ronda o Chile passeasse pelo Brasil, “iam se ver com a polícia”, e que se “eles” (quem?) radicalizarem “do lado de lá” (qual?) “a história ia se repetir” (que parte?).

Em entrevista à jornalista Leda Nagle, foi por fim menos ambíguo, dizendo que “se a esquerda radicalizar” como no Chile, “alguma resposta vai ter de ser dada”. Citou, por fim, o AI-5. O general Heleno, à frente do GSI – reformado por Etchegoyen, sob o governo Temer – disse que “se falou [em AI-5], tem que estudar como vai fazer”, que “se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem que fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um longo caminho” (percebam que a preocupação do general é com a distância, não com a direção) e, por fim, que “essas coisas, hoje, num regime democrático… é complicado. Tem que passar em um monte de lugares. Não é assim. O projeto do Moro, fundamental para conter crime, não passa. Fazem de tudo para não passar. O pessoal não quer, não quer nada que possa organizar o país. Não quer dizer que isso vai organizar o país. Mas isso aí não é assim, vou fazer e faz. Então, não tenho o que falar.” Todos estes parágrafos, sobre coisas fundamentais, um monte de lugares, complicações e organização, de um homem que, afinal, não tinha o que falar!

A despeito de todas estas velhas coisas que emergem como notícias, da velha luta de classes que toma ruas e incendeia, dos velhos generais que ocupam governos – e que os derrubam, como na Bolívia, ou os sustentam, como no Equador e no Chile -, e dos empoeirados atos institucionais, que renascem no horizonte das escolhas governamentais, vemos cá uma novidade: a fundação de um partido por um Presidente em pleno mandato não acontece, ao menos, desde que a República foi fundada, há 130 anos, e, ao menos desde a redemocratização, um mesmo homem não ocupa a cadeira presidencial ao mesmo tempo que ocupa a presidência de seu partido.

E estes  fatos novos carregam implicações: à medida que se isola, Bolsonaro haverá de radicalizar. Se não na ação, no discurso; se não para manter suas bases ativas e mobilizadas, para compensar sua falta. É em torno de nosso novo Bonaparte, afinal, que o partido se organiza, e só em torno dele. Por outro lado, prevalece a observação feita em maio passado: Bolsonaro não tem poder próprio. Poderá buscá-lo agora, enfim, com seu novo partido – mas para que o consolide, haverá de mudar ou costurar novas alianças. No quantitativo, perde, para poder talvez, se com a anuência de antigos novos aliados, ganhar no qualitativo. O projeto de lei sobre as GLOs nos aponta, claramente, quem são os aliados buscados, e é portanto a mais importante ação desde que colocou sob seu peito a faixa verde-amarela. 

Se aprovado, em especial em um momento de isolamento, deixará claro que aquelas forças “democráticas” da institucionalidade, pelas quais procuram uma série de figuras amorfas para formar “frente amplas”, rubricam a possibilidade de o presidente, sozinho – já que é só dele a premissa de convocar uma operação para a garantia da lei e da ordem – despoticamente estabelecer seu domínio, governando a ferro, fogo e força, sem restrições, por meio de GLOs. Se não o for, não perde também o Partido Fardado: afinal, qualquer passo de Bolsonaro que o aproxime da renúncia aproxima por extensão Mourão da presidência.

Não é por acaso, portanto, que tenha-se ouvido no lançamento do Aliança Pelo Brasil gritos entoando a morte de “esquerdistas”. Nem que na entrada da convenção do novo partido um painel de 50kgs, feito com balas de revólver, ilustrasse seu símbolo. Por fim, talvez um acaso, que nos dá valiosa advertência: na busca pelo número “38” para o novo partido, o presidente esbarra nas pretensões do deputado federal Capitão Augusto, que pretendia usar o número para a sigla que procura criar: a do Partido Militar Brasileiro. Que não nos assustemos no futuro se um “personagem medíocre e grotesco” acabar por, como escreveu Marx em prefácio d’O 18 Brumário de Louis Bonaparte, “representar o papel de herói”, nem o tomemos como “um raio que caísse de um céu sereno.” Sérios indicativos, vários, já temos.

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